
A propósito da controvérsia sobre a proposta Erasmus para Interior, que o PS chumbou em março e que agora apresenta como sua, dei por mim a pensar na quantidade de historietas, iniciativas, anúncios, eventos, grupos de trabalho e linhas de financiamento que, sobretudo desde a tragédia de Pedrógão, foram organizadas, divulgadas, anunciadas ou prometidas pelo Governo às pessoas do interior.
Como diz o povo “de boas intenções está o inferno cheio”, mas quando isto se passa num Governo e num regime democrático não bastam as boas intenções nem os anúncios. Se não é propriamente novidade um governo prometer e não fazer, António Costa inventou uma nova modalidade: até anuncia, mas depois não faz. Um logro.
Além de anunciarem e não fazerem, era bom que quando anuncia os milhões para o interior o Governo dissesse de onde vieram e para onde foram. Não podem, por exemplo, atribuir verbas para compensar os prejuízos dos incêndios e transformar isso em medidas / euros para o desenvolvimento do interior ou não informar, com transparência, onde está essa verba a ser investida.
Os exemplos são vários e começam logo na reprogramação de Pedro Marques que desviou cerca de 1000 milhões de euros de fundos comunitários que estavam consignados às regiões mais desfavorecidas para Lisboa e para o Porto.
Também em matéria de fundos da União Europeia importa também recordar aquilo que Henrique Pereira dos Santos denunciou recentemente que foi a utilização de verbas do Fundo Ambiental e de fundos para o combate às alterações climáticas para aquisição de autocarros para Lisboa e Porto (quando podiam recorrer a financiamento do BEI mas isso contaria para o défice e os fundos comunitários não) quando deveriam ser utilizados sim para evitar a maior ameaça vinda da mudança de clima: os incêndios, através da reorganização da floresta.
O mesmo Governo, aqui através do lastimável ministro da Educação que passou de ventríloquo de Mário Nogueira a fantoche de Mário Centeno, “chantageou” as autarquias locais, cujo planeamento do Governo anterior previa a reconstrução de escolas, obrigando-as a assumir 50% da componente nacional (que compete ao Governo) dos custos dessas escolas, a maioria no interior. Já para não falar do corte de vagas no ensino superior nas universidades do litoral, para privilegiar o interior, que veio aumentar o número de alunos no privado em Lisboa.
Depois veio o logro da Unidade de Missão para a Valorização do Interior cuja então presidente, Helena Freitas, veio agora confessar que 99% das medidas não saíram do papel. A este propósito é útil ainda lembrar a criação e deslocalização da Secretária de Estado para Castelo Branco…mas com número de telefone do Terreiro do Paço em Lisboa. Mais um número de circo.
Se olharmos para o sector da Saúde torna-se mesmo revoltante. O mesmo Governo e partido que, além de se anunciar como pai e dono do SNS, não consegue contratar médicos, que aumentou os tempos de espera para consultas de especialidade e cirurgias, que atrasa a aquisição de medicamentos e aumenta a dívida dos hospitais, não se coíbe de já em plena campanha anunciar novos hospitais em Évora, na Guarda, etc. Isto não é fazer política, é gozar com as pessoas.
Este Governo que tanto se diz preocupado com o interior, é o mesmo que desviou para si mesmo 50% do Fundo de Solidariedade da União Europeia que era suposto servir para ajudar as autarquias e territórios vítimas dos incêndios de 2017. Felizmente fez-se justiça e o Tribunal Administrativo e fiscal de Leiria condenou o Governo de António Costa a alargar o Fundo a mais concelhos. Envergonhados e humilhados por esta justíssima decisão, o Ministério do Planeamento acatou e abriu a oportunidade para os restantes concelhos concorreram dando-lhes um prazo de… 8 dias em pleno agosto para apresentar propostas. Não contentes, recorreram da sentença pondo em causa o recebimento de milhões de euros de fundos da União Europeia que tanta falta fazem a estes concelhos do interior que ainda recuperam da tragédia de 2017.
A lista poderia ser mais longa, mas não poderia terminar esta pequena seleção sem referir o logro da descentralização que acaba por passar para os municípios apenas os casos mais problemáticos, com mais despesa por fazer ou infraestruturas por requalificar. Ou seja, o Governo fica com a carne e deixa os ossos para os municípios.
O interior não pode continuar a ser gozado desta forma. O interior de Portugal precisa, mais do que nunca, de ser uma prioridade do país, não apenas do Partido A ou B mas sim de todos os portugueses, da nossa democracia. A desertificação é a verdadeira chaga de Portugal e que exige um compromisso de todos nós.