O movimento cívico dos agricultores, nestes primeiros meses do ano, foi efetivamente um grande grito de revolta, de indignação e de desespero. Foi notório, o esforço realizado através de mobilizações, em grande número que se fizeram pelo país, e por toda a Europa. É um claro sinal do setor que se vivem tempos muito difíceis!
Mas vamos a factos. A Comissão Europeia, ao longo destas décadas, identificou uma “angustiante escassez de novos agricultores”, com base numa avaliação de dados estatísticos que mostram que o número de jovens agricultores na UE está a diminuir de forma preocupante, sendo que os agricultores mais velhos não estão a transmitir as suas explorações e o seus conhecimentos para a nova geração, a uma taxa de reposição suficiente e sustentável. E não é só de jovens que é feita a agricultura, e os restantes também estão a diminuir…
Um setor envelhecido e com ausência total de renovação do seu capital humano, a baixa produtividade do trabalho agrícola e o índice de envelhecimento dos agricultores portugueses, conduzirão, inevitavelmente, ao desaparecimento de largas dezenas de milhares de explorações agrícolas e pecuárias, nos próximos anos!
Na realidade, não é possível continuar a ignorar o fenómeno crescente de abandono dos terrenos agrícolas. A estrutura fundiária de várias regiões de Portugal, a baixa produtividade do trabalho, sendo que a idade média na região norte situa-se nos 64 anos (tabela 1), configuram que, inevitavelmente, largas dezenas de milhares de explorações irão desaparecer nos próximos anos, dando origem a problemas cuja repercussão terá impacto a nível social, ambiental e económico, designadamente nas regiões mais frágeis do país, onde o abandono irá necessariamente ter uma maior expressão.
Tabela 1: Idade média da população agrícola
Localização geográfica
(NUTS – 2013) |
Idade Média
(anos) |
Norte Centro
Área Metropolitana de Lisboa Alentejo Algarve Região Autónoma dos Açores Região Autónoma da Madeira |
64
66 65 66 69 57 65 |
Portugal | 65 |
Fonte: Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP, 2018).
A situação pode ser considerada muito preocupante, os agricultores para além de ter um papel ativo na produção agrícola, na produção de alimentos (vegetal e/ou animal), desempenham um papel muito importante na proteção do ambiente, na preservação da paisagem fauna, flora, controlo de biomassa e como consequência à prevenção de incêndios, são ainda assim, mantendo e preservando a cultura, a gastronomia, a paisagem e os aglomerados populacionais tão típicos e valorizados pelo turismo. Os agricultores são com certeza, um fator relevante na ocupação dos territórios.
O resultado insatisfatório no efetivo rejuvenescimento do tecido empresarial do setor é evidente. Na tabela 2, podemos observar que a taxa máxima de apoio tem diminuído ao longo dos anos, o que contraria de forma inequívoca uma clara intenção de potenciar o setor.
Tabela 2: Evolução dos apoios à instalação de Jovens Agricultores
Operações | Prémio de Instalação
(euros) |
Taxa máxima de Apoio |
QCA 1 (1986-1993) | 9.075 | 70% |
PAMAF (1994-1999) | 18.150 | 70% |
AGRO (2000-2006) | 25.000 | 60% |
PRODER (2007-2013) | 40.000 | 60% |
PDR2020 (2014-2020) | 30.000 | 50% |
Fonte: Elaboração própria dos autores com base nos regulamentos dos Programas (PDR2020, 2020, citado por Rekas 2022).
E quando tentamos interpretar os valores reportados ao nível de execução dos apoios (tabela 3), observa-se que não se regista um nível de evolução coerente ou previsível, quando comparado o número de agricultores instalados e a respetiva despesa pública
associada. No caso do Programa de Desenvolvimento Rural de Portugal – PDR2020 (2014-2020), com prolongamento até 2022, verifica-se neste horizonte temporal uma forte quebra de número de JA instalados (-4.452, representando menos 52% face ao programa PRODER), tendo sido apenas realizada uma despesa pública superior a 114 milhões de euros, ou seja, menos 51% (cerca de menos 120 milhões de euros) face ao programa AGRO (2000-2006), cujo número de JA instalados foi praticamente similar.
Tabela 3: Jovens agricultores instalados, despesa pública realizada e média por JA
Operações | Nº de JA
Instalados |
Despesa Pública
(euros) |
Média (euros)
Por JA instalado |
AGRO (2000-2006) | 4.191 | 233.000.000 | 55.595 |
PRODER (2007-2013) | 8.557 | 655.770.000 | 76.636 |
PDR2020 (2014-2020) | 4.105 | 114.064.000 | 27.787 |
Resultados Alcançados | 16.853 | 1.002.834.000 | 59.505 |
Fonte: Elaboração própria dos autores com base na execução dos Programas (PDR2020, 2022 citado por Rekas, 2022).
Nesta mudança política, manifestamos a necessidade da criação de ferramentas de análise sobre a evolução destes apoios e avaliação dos seus impactos. Estamos longe de conhecer, através de avaliações especializadas, as trajetórias de médio e longo prazo, destes empresários do setor agrícola e da estratégia para o setor. Relembra-se que a CAJA – Comissão de Acompanhamento dos JA, foi criada com o propósito de realizar tal análise, e ainda contribuir para promover o sucesso da instalação dos JA, mas até agora não se conhecem resultados.
O sentimento dos empresários agrícola é transversal a todos os territórios…
Asfixia normativa e burocrática, normas ambientais desequilibradas, territórios desertificados, ocupação de território agrícola com outras atividades, empobrecimento das populações agrícolas, concorrência desleal e elevada importação a preços baixos, programação errática dos apoios, escalada de preços e esmagamento das margens de lucro da produção primária pela distribuição, distribuição injusta na cadeia de valor com preços baixos pagos à produção primária e margens altas da distribuição, escalada de preços dos fatores de produção, ausência de governação e estratégia pelo estado.
Podemos estar a atingir um ponto irreversível para a destruição do setor. É urgente auscultar o setor, negociar e definir políticas assertivas.
A agricultura e as atividades ligadas à terra no mundo rural são fundamentais para a coesão social e territorial. O êxodo das populações, designadamente dos jovens, coloca em causa o futuro das regiões e afetam gravemente o seu dinamismo social e económico! Sem uma agricultura robusta, moderna e competitiva não há abastecimento alimentar.
É urgente definir uma Política Agrícola com estratégia para o setor! Agora!
Fonte: Movimento do Agricultores do Norte