A associação ambientalista Quercus manifestou-se hoje contra o diploma do Chega/Madeira que pretende reduzir a área marinha com proteção integral das Ilhas Selvagens, de forma a permitir a pesca de tunídeos.
“A área já está protegida, não vamos voltar para trás, não faz sentido nenhum”, afirmou Cristina Gonçalves, da direção da Quercus, na Comissão Especializada permanente de Ambiente, Clima e Recursos Naturais da Assembleia Legislativa da Madeira.
Em março de 2022, a reserva foi ampliada de 92 para 2.677 quilómetros quadrados, numa área de 12 milhas náuticas em redor das ilhas, na qual é proibida a pesca e qualquer outra atividade extrativa, passando a ser a maior área marinha com proteção integral do Atlântico Norte.
Cristina Gonçalves e Elsa Araújo, da direção da associação, foram ouvidas em sede de comissão, numa audição requerida pelo grupo parlamentar do PSD para esclarecer questões relacionadas com um projeto de decreto legislativo do Chega para alterar o regime de proteção de parte da área marinha da Reserva Natural das Ilhas Selvagens.
O partido propõe que a zona de proteção integral da Reserva Natural das Ilhas Selvagens passe de 12 para duas milhas náuticas, permitindo a abertura da restante área, que fica sob proteção parcial, à captura de tunídeos, “praticada tradicionalmente por embarcações que utilizam o salto e vara”.
Cristina Gonçalves disse não ver vantagens em pescar nas Selvagens, tanto em termos económicos como ambientais, considerando que é mais vantajoso para os pescadores fazer a pesca em áreas mais próximas da ilha da Madeira.
A responsável da Quercus argumentou que o mar daquelas ilhas, em termos de conservação, “é muito melhor do que o restante mar do arquipélago”, e alertou que a eventual permissão da pesca acarretará consequências.
“Não só em termos do pescado, que não encontra uma área de proteção, mas também de tudo o que é relacionado com acidentes, derrames de combustível, artes de pesca que se perdem”, apontou.
Elsa Araújo corroborou que aquela atividade “poderia causar danos ao meio ambiente na reserva natural das Selvagens”, insistindo que, “se se estabeleceu que aquela área é uma reserva integral, é para precisamente não causar qualquer perturbação ao ecossistema”.
“E agora pretender-se permitir a pesca no interior dessa área é ir contra o princípio que a criou. Achamos que não faz qualquer sentido”, reforçou.
A responsável salientou ainda que, tratando-se de espécies migratórias, os pescadores podem capturá-las fora da zona de reserva integral.
O deputado do Chega Miguel Castro referiu que a área de proteção integral da reserva natural das Selvagens era, antes de 2022 – ano em que foi alargada – de apenas duas milhas náuticas e que recebeu vários galardões e distinções internacionais que dizem respeito a essa época.
O partido pretende, assim, reverter o alargamento da proteção integral, sublinhou Miguel Castro, argumentando que, antes de 2022, os pescadores exerciam a atividade naquela área, “salvaguardando sempre a legislação em vigor”.
O deputado apontou ainda que a pesca através do método de salto e vara é a “mais ecológica do mundo” e que na ilha de São Jorge, nos Açores, “existe uma reserva integral em que é promovida a pesca do atum” com recurso a essa modalidade.
A proposta do Chega já tinha sido discutida na anterior legislatura, tendo sido rejeitada em janeiro, com os votos contra de PSD, CDS-PP e PAN, a abstenção de PS, PCP e BE, e o voto a favor de Chega, JPP e IL.
Em 08 de julho, depois das eleições legislativas regionais antecipadas realizadas em maio, nas quais o PSD não conseguiu maioria absoluta, o Chega indicou que a abertura das Ilhas Selvagens à pesca do atum iria ser assumida pelo Governo Regional (PSD).
Dois dias depois, o presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque, indicou que estava a ser elaborado um estudo científico para aferir se a captura de atum e gaiado nas Ilhas Selvagens colocava em causa o estatuto de proteção integral.
Entretanto, em 11 de julho, a Secretaria de Agricultura, Pescas e Ambiente, Rafaela Fernandes, revelou que autorizou a captura de peixe gaiado na reserva natural das Ilhas Selvagens para efeitos de investigação, até dezembro, sendo que uma parte também poderá ser comercializada.
As Selvagens, um subarquipélago da Madeira localizado a cerca de 300 quilómetros a sul do Funchal, constituem o território mais a sul de Portugal, tendo sido classificadas como reserva natural em 1971.