A semana que hoje termina ficou naturalmente marcada pelo regresso da Administração Trump na sua versão 2.0, anunciando um “período de ouro” para uma nova América, grandiosa e à altura do famoso “American Dream”. Quer na posse, quer nas inúmeras iniciativas que se lhe seguiram, Donald Trump foi coerente com o discurso da campanha e não perdeu tempo a reverter medidas emblemáticas do mandato do Presidente Biden, designadamente no âmbito da energia, migrações, ambiente, economia e saúde. Os EUA vão abandonar a OMS e sair do Acordo de Paris, deverá existir um recuo no apoio às energias renováveis (drill, baby drill), com a questão sensível do aumento das tarifas, de 25% para o Canadá e para o México, a partir de 1 de fevereiro, e, igualmente anunciadas, mas sem data nem valores definidos, para a China e a União Europeia (10%?), tendo em conta os atuais desequilíbrios existentes, na perspetiva da nova Administração. O controlo do Canal do Panamá, por onde passa cerca de 3% do comércio mundial, foi citado no discurso de posse, no qual, curiosamente, não falou da União Europeia, nem da NATO ou da Ucrânia. Mas viria a fazê-lo ao longo da semana, relevando a discussão em torno do tema de quem mais apoia neste momento o esforço de guerra no conflito entre a Ucrânia e a Rússia. A NATO já definiu que vivemos uma situação de crise, sendo necessário um maior esforço dos aliados para o investimento em defesa e segurança, no mínimo de 2%, para um montante a definir em breve.
Da nova Administração Trump, fortemente pragmática e incisiva, com uma vertente mais nacionalista, espera-se uma aposta no protecionismo e numa relativa desglobalização. Em consciência, são expectáveis retaliações nos investimentos e nos produtos norte-americanos, o que pode gerar mais tensões e instabilidade e, sobretudo, tendências inflacionistas. Veremos as reações dos diferentes blocos às primeiras iniciativas anunciadas, numa política, para já, claramente disruptiva, que tem de ser levada a sério.
O discurso de posse anunciou igualmente uma estratégia assente na inovação, na tecnologia, não sendo por acaso que os gigantes tecnológicos já se posicionaram e saudaram os novos tempos que se desenham.
Estados Unidos e União Europeia sabem que têm de ter uma relação estreita ao nível da cooperação ativa, assente nos valores ocidentais, mas os interesses norte-americanos, nomeadamente, no Indo-Pacífico tendem a desvalorizar o peso da Europa na geopolítica global. Tal significa que temos de caminhar para uma menor dependência e uma maior autonomia, na defesa e na segurança alimentar, na inovação e no conhecimento. No fundo, este “novo mundo” cria oportunidades para a Europa e a questão está em saber se as queremos ou sabemos aproveitar.
Durante a presidência espanhola da União Europeia iniciámos a discussão sobre a Autonomia Estratégica (Open Strategic Autonomy), que continua e que tem de ser reorientada à luz de todos estes desenvolvimentos, mas também das conclusões do relatório Draghi e do Diálogo Estratégico sobre o futuro da Agricultura e da Alimentação.
Aliás, no quadro deste Diálogo Estratégico, felicitamos a nossa organização europeia FEFAC e o seu presidente, Pedro Cordero, pela presença, já confirmada, como membro do EBAF, o board para este Conselho sobre Agricultura e Alimentação, que vai ser presidido pelo Comissário Hansen, prevendo-se a primeira reunião para o próximo dia 4 de fevereiro. É a indústria da alimentação animal a fazer ouvir a sua voz ao mais alto nível, nesta discussão da sociedade civil, para a qual temos vindo a apresentar os nossos contributos.
Mas esta Autonomia Estratégia da União Europeia pressupõe, entre outros aspetos, um forte multilateralismo (acordos comerciais), a noção de quais são as matérias-primas críticas e uma clara aposta na inovação e nas novas tecnologias. Para já, o que temos mostra-se claramente insuficiente. De resto, é conhecida a reação europeia, por exemplo, às questões ligadas à biotecnologia agrícola, como se tem visto também na discussão sobre as novas técnicas genómicas.
Quanto aos acordos comerciais, que naturalmente saudamos, é importante reter duas ideias essenciais: a agricultura não pode ser moeda de troca, e não é possível aceitar que os produtos em causa, provenientes dos países terceiros, não cumpram os padrões exigidos aos operadores europeus, ao nível da segurança alimentar, ambiente e bem-estar animal, a que se juntam cada vez mais os critérios sociais, além da sustentabilidade. As verdadeiras ameaças não são os acordos de “per si”, mas as restrições e os constrangimentos sem paralelo que a legislação comunitária coloca às empresas europeias e que lhes retira competitividade no mercado mundial.
O melhor exemplo desta incoerência é a situação que vivemos atualmente ao nível dos aditivos para a alimentação animal.
Recentemente foram estabelecidos direitos antidumping para a importação de lisina proveniente da China e que, receamos, se possa alargar a outros aditivos – com impacto noutros países fornecedores –, o que é tanto mais grave quanto é sabido que dependemos fortemente daquela origem (em alguns produtos, as alternativas são muito escassas ou nulas) e que a imposição destas tarifas, claramente desproporcionadas, já está a ter fortes consequências negativas para o setor, nomeadamente no que concerne os custos das produções pecuárias, a par de eventuais problemas de saúde animal e de uma potencial disrupção do mercado.
No caso da lisina, os direitos podem situar-se em mais de 80%, dependendo da empresa chinesa fornecedora, com os preços deste aminoácido praticamente a duplicar, prevendo-se que seja ultrapassado o cenário de aumentos de 2% nos preços, previstos pela UE nos alimentos compostos. A situação é, neste momento, provisória e por um período de seis meses, mas resta saber como se irão comportar os preços e que efeitos, irreversíveis, poderão ter ao longo da cadeia de abastecimento. E, ainda, se este período tenderá a prolongar-se. Numa altura em que decorrem reuniões em Bruxelas, o que estamos a pedir é medidas proporcionais e não retroativas, e bom senso. Em última análise, terão de existir medidas de compensação.
É evidente que não podemos tolerar, de forma alguma, práticas de dumping que distorcem a concorrência leal. O que faz sentido é implementar medidas políticas específicas da UE, que possam ajudar a reforçar a competitividade dos produtores de aditivos europeus, reduzindo a dependência estratégica da China neste domínio.
Nesta perspetiva, Bruxelas deve iniciar uma reflexão sobre a forma de estimular investimentos significativos, através da adaptação das suas atuais políticas, para aumentar a produção e diversificar a cadeia de abastecimento de aditivos essenciais para a alimentação animal.
E, na tal desejada Autonomia Estratégica, deve reconhecer os aminoácidos essenciais e as vitaminas como “materiais críticos”, tal como temos vindo a solicitar nos diferentes fóruns relacionados com segurança e soberania alimentar.
Se nada disto acontecer, continuamos, alegre e ingenuamente, a dar “tiros nos pés”.
Afinal, tem a União Europeia uma Autonomia Estratégica? Certamente que a nova Administração Trump nos irá obrigar a encontrar respostas.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Perspetivas para 2025: esperança ou desilusão? – Jaime Piçarra – Notas da semana