Em mais uma semana marcada pela estratégia da Administração norte-americana, seja na imposição de tarifas, desta vez ao alumínio e ao aço (um deja vu da versão Trump 1.0) ou a lançar as negociações para o fim da guerra da Ucrânia, tivemos os ecos da primeira reunião do Conselho do EBAF e, não menos relevante, a estratégia da Comissão Europeia sobre o próximo quadro financeiro plurianual (QFP).
A comunicação da Comissão define as bases para as reflexões sobre o orçamento de longo prazo da União Europeia (UE). Ao mesmo tempo, foi lançada uma campanha à escala europeia que apela a uma participação alargada, de Stakeholders, Estados-membros, entidades regionais e cidadãos. O objetivo é podermos dispor de um instrumento “essencial para melhorar a vida dos europeus”. Em nome de uma Europa mais resiliente, competitiva, livre e democrática, é apresentada uma nova abordagem, que pode incluir um plano para cada Estado-membro, com reformas e investimentos fundamentais, concebido em parceria com as autoridades nacionais, regionais e locais. A proposta inclui, igualmente, um Fundo Europeu de Competitividade para apoiar setores estratégicos e tecnologias críticas, complementado com novas modalidades de financiamento. Foi também apresentado o programa de trabalho da Comissão para 2025, com base nas orientações políticas para o período 2024/29, com o lema “Por uma União mais audaciosa, mais simples e mais rápida”. Simplificação, flexibilização e redução dos custos de contexto estão nas atuais prioridades.
Por outro lado, no quadro das reflexões do EBAF, as 30 organizações que integram o Conselho, entre as quais a FEFAC, foram convidadas a dar respostas a 3 questões essenciais: 1) Quais as prioridades para a Visão; 2) O que pode ser feito a nível da UE para garantir um nível de vida equitativo para os agricultores e rentabilidade ao longo da cadeia de valor agroalimentar? 3) Equilibrar melhor os incentivos, o investimento e a (des)regulamentação: o quê, concretamente, para apoiar os esforços dos agricultores e dos intervenientes na cadeia agroalimentar, para melhorar a sustentabilidade e resiliência?
Naturalmente que as respostas serão muito diferentes de acordo com cada uma das organizações. Mas, no essencial, a remuneração justa dos agricultores e dos operadores nas diferentes fileiras, a segurança das cadeias de abastecimento, o combate às alterações climáticas, a questão da água, a renovação geracional, a inovação e novas tecnologias, a digitalização, um equilíbrio entre a produção de alimentos e a proteção do ambiente e do bem-estar animal, mais circularidade e eficiência, com menos regulamentação, deverão ser objetivos comuns a prosseguir. A Europa precisa de autonomia estratégica e de acordos comerciais que lhe permitam continuar a ser um dos principais blocos comerciais a nível mundial e uma voz ativa na cena geopolítica.
Ainda esta semana, a propósito do milho – aqui enviamos os Parabéns à ANPROMIS por mais um excelente Colóquio do Milho – se destacava a redução da (gritante) dependência externa em cereais, se falava no abandono, no regadio, e em como é importante Portugal ter estratégias em todos os territórios para dispormos de matérias-primas de proximidade e sermos menos vulneráveis. A dependência não cria resiliência. E sem viabilidade económica, das explorações e das empresas, não é possível libertar recursos para os outros pilares da sustentabilidade, social e ambiental. Infelizmente, esta evidência, que não nos cansamos de referir, não é compreendida por todos.
Na próxima semana, provavelmente no dia 19 de fevereiro, iremos conhecer a proposta do Comissário Hansen relativamente à Visão para a Agricultura e Alimentação.
A Visão tenderá a seguir o alinhamento previsto no Diálogo Estratégico. Não sabemos se as posições expressas no EBAF na reunião do passado dia 4 de fevereiro terão sido incluídas no documento. Aqui estaremos para comentar e certamente que as organizações nacionais, entre as quais a IACA ou a FIPA, não deixarão de participar nessa nova (?) estratégia para a Agricultura e Alimentação. Também por isso, o funcionamento equilibrado ao longo da cadeia alimentar (relações entre a produção, a indústria e a distribuição) ou as práticas comerciais desleais (UTP), são dossiers da maior relevância.
Neste contexto, necessitamos de um orçamento robusto para a PAC, se pretendemos revitalizar e tornar as zonas rurais mais atrativas e “vibrantes”, e ele deve ser compatível com a coerência dos discursos da Presidente Von der Leyen.
É nesta perspetiva que vemos com alguma preocupação uma possível reafectação das despesas da UE no âmbito de um Fundo Único e com Planos Nacionais, que poderá criar ruturas na estrutura e governação do próximo QFP e da PAC, impactando negativamente a estabilidade e o desempenho da cadeia agroalimentar da UE, reforçando as diferenças entre os Estados-membros e pondo em causa o Mercado Único, um dos pilares da construção europeia.
Recorde-se que o relatório do Diálogo Estratégico para o Futuro da Agricultura da UE, defende um “orçamento específico para a PAC”, mas também fundos separados (e individuais) para a transição agrícola (AJTF) e a restauração da natureza, fora da PAC. Temos ainda a experiência dos PEPAC, que, tal como têm funcionado, poderão comprometer a tão desejada simplificação.
Estas são de resto posições e preocupações defendidas hoje numa carta enviada para a Comissão Europeia por um conjunto muito significativo de organizações, entre as quais, o COPA/COGECA, a FEFAC e a FoodDrinkEurope.
Um orçamento da PAC com maior dotação e específico continua a ser fundamental para garantir a competitividade, um rendimento digno aos agricultores e o normal funcionamento do setor agroalimentar. Porque estão em causa a estabilidade e a defesa da União Europeia. A sua soberania alimentar.
Tendo em conta as ameaças e instabilidade, mas também as oportunidades, não podemos permitir tamanha incoerência. É vital que se elimine o “complicómetro”, é fundamental que se destrua o “monstro” da burocracia.
Em nome de uma PAC que seja compreensível para todos. Desde logo para os seus utilizadores.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA