Estávamos a preparar as Notas sob o tema “A Era da Desconstrução?” e eis que somos surpreendidos com a pausa nas tarifas anunciadas pelo Presidente Trump, alegadamente devido ao nervosismo dos mercados e das pessoas (início de perturbações internas?) ou mostrar “aos muitos países que estão em lista de espera para negociar” que esta Administração também é capaz de ser “flexível”. Ironicamente, ou talvez não, tudo isto acontece numa altura em que a União Europeia (UE) apresenta dados record nas exportações agroalimentares em 2024, um novo máximo 235,4 mil milhões de euros, com a maior subida a registar-se nas vendas para os Estados Unidos da América (EUA), o segundo destino a seguir ao Reino Unido.
A pergunta que todos fazemos, saudando, naturalmente, esta decisão que muito nos alivia (fica para já o adiamento da introdução de 25% de direitos para o milho, que ia entrar em vigor a partir de 15 de abril), é o que se vai passar, entretanto e, ainda mais relevante, o que poderá acontecer daqui a 90 dias? Uma pausa no furacão Trump, com uma avaliação dos danos, perdas e lições retiradas ou Washington espera que os países se verguem para aceitar tudo aquilo que a nova Administração pretende impor?
Confesso que não sou um admirador deste tipo de política ou estratégia, nem consigo vislumbrar quais os seus objetivos, mas Donald Trump tem razão em algumas das suas declarações: a necessidade de reformar as instituições internacionais, a excessiva regulação (o que vai ficar do relatório Draghi?), uma maior reciprocidade nas relações com os EUA, as questões da biotecnologia ou os gastos dos países da NATO na defesa e, ainda, considerando as últimas décadas, a relação de dependência da Europa dos norte-americanos relativamente à intervenção nos mais diversos conflitos.
O problema, em nossa opinião, está na forma, na atuação, na “política espetáculo”, na diplomacia ou falta dela, ou seja, na forma de tratar os “negócios de Estado” do mesmo modo que se lida com os objetivos e metas empresariais.
Humilhar ou achincalhar, empurrar tudo e todos para o abismo, promover a insegurança, a imprevisibilidade, o desrespeito, sobretudo a desconfiança vai, mais tarde ou mais cedo, virar-se contra quem promove este tipo de estratégias, criando sentimentos de ódio e, neste caso, antiamericanismo. Os EUA, um grande país, de que a UE necessita e com quem temos ligações estreitas há mais de 40 anos, não “merecem” isto.
Terá sido esta lucidez e bom-senso a origem desta pausa tarifária?
Em 7 de fevereiro, poucos dias depois da tomada de posse da nova Administração norte-americana aqui nos interrogámos se os novos tempos (a Nova Era de que muitos falam ou, como refere o meu amigo Pedro Pimentel, num excelente artigo, “O Deplorável Mundo Novo”) seriam Ao ritmo de Trump? . A resposta é clara: os factos comprovam que a resposta à questão é afirmativa, mas também já todos interiorizámos que o Mundo não pode funcionar nestes padrões e neste género de “diplomacia”.
Desde aí, todas as semanas têm sido infernais. A essa situação acresceu, em Portugal, a queda do Governo, que, em gestão, foi obrigado a lidar com a escalada das tarifas e a delinear uma resposta interna e uma resposta conjunta ao nível da UE. Nas últimas semanas, a nossa vida tem sido bastante complicada e complexa: muitas reuniões, nacionais e internacionais; Grupos de Diálogo Civil da Comissão Europeia – com a IACA (e a FEFAC) a darem nota das avaliações de impacto decorrentes da aplicação de 25% de tarifas ao milho e à soja-; um acréscimo de custos dos alimentos compostos em Portugal a variar entre os 66 milhões de euros (milho) e os 145,8 milhões de euros (milho e soja); aumentos nos preços das rações em torno dos 10%; mais custos para a pecuária; mais tarde ou mais cedo, preços em alta para os consumidores; inflação; potencial recessão. No caso da soja, está em causa ainda a aplicação do Regulamento sobre a desflorestação (EUDR).
Isto foi o que temos dito, escrito e reiterado e é o que iremos referir na próxima segunda-feira em reunião agendada com o Ministério da Economia sobre o dossier das tarifas e eventuais apoios.
Temos agora 90 dias para pensar, refletir, afinar estratégias e ter um Plano de Ação, em Portugal e no quadro da UE. Os produtos agroalimentares têm de ficar de fora da retaliação, não podem ser moeda de troca ou armas de arremesso. Alimentação também é defesa, segurança e soberania. A NATO tem uma estratégia clara nesta perspetiva.
A UE tem de agir com cuidado, inteligência, sem se amedrontar com as ameaças da Administração Trump, mantendo o seu ADN de abertura comercial ao México, Canadá, Mercosul, América Central, Austrália e Nova Zelândia, Chile e, claro, com os EUA.
Não queremos uma guerra comercial, mas um reforço das relações transatlânticas (os acordos zero-zero podem ser uma boa alternativa) e a diversificação de mercados, para responder a eventuais recusas de Washington.
Como temos vindo a afirmar noutras reflexões, a UE tem aqui um conjunto de oportunidades, não só para responder às críticas do Presidente Trump; mas também para se afirmar, com o multilateralismo e não com o protecionismo, na geopolítica mundial. Esta situação representa, igualmente, uma oportunidade para mitigar a dependência da China, e de outras origens, em aditivos e matérias-primas críticas e essenciais.
Uma Era de desconstrução não é (não pode ser) aceitável porque é simplesmente insustentável e insuportável, independentemente dos muitos seguidores e simpatias que estas atitudes colham em diferentes partes do mundo e desde logo na Europa.
Porque as Nações têm de ser confiáveis, será que os próximos 90 dias vão mudar alguma coisa?
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA