População desta espécie em risco de extinção diminuiu 80% em 10 anos
O sucesso reprodutor do tartaranhão-caçador (Circus pygargus), uma espécie em risco de extinção no território nacional, registou um aumento notável no Norte do país em 2024, quase 180% superior ao cenário projetado sem intervenções de proteção no terreno. O êxito reprodutivo deveu-se à campanha “Salvar o tartaranhão-caçador” implementada pela organização não governamental de ambiente Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural nessa região e agora integrada no projeto ibérico LIFE SOS Pygargus. Graças ao trabalho incansável dos técnicos da organização, dos agricultores locais, de entidades parceiras e de voluntários, nesse ano, houve um total de 53 novos juvenis que levantaram voo no distrito de Bragança, dando uma esperança para recuperação das populações da espécie em Portugal. Em 2025, a campanha já arrancou para continuar a proteger esta ave icónica das searas, cuja população diminuiu 80% em dez anos.
Um ano crítico com intervenções decisivas
Em 2024, foram identificados 31 casais no Norte do país, com 29 ninhos a serem acompanhados de forma contínua ao longo da época reprodutora, indicam dados do relatório da campanha “Salvar o tartaranhão-caçador” de 2024, elaborado pela Palombar. Destes, apenas 27 casais iniciaram as posturas, e apenas três destes casais fizeram uma segunda postura. Em termos de dimensão da postura, foi um ano com valores médios mais altos, em comparação com anos anteriores: 4,8 ovos nas primeiras posturas e 4,0 nas segundas.
As medidas de conservação implementadas no terreno pela Palombar, em colaboração com o Centro de Recuperação de Animais Selvagens do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (CRAS-HVUTAD), o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o BIOPOLIS-CIBIO e voluntários, tiveram um grande êxito no aumento do sucesso reprodutor desta espécie, também denominada por águia-caçadeira, gavião e gabilan (nome dado no Planalto Mirandês). Em habitat natural, a reprodução bem-sucedida, isto é, quando o esforço reprodutor resulta em pelo menos um juvenil voador, ocorreu em cerca de 40% dos ninhos monitorizados, incluindo aqueles que foram protegidos por vedações pelos técnicos da Palombar. Em primeiro lugar, procedeu-se à proteção de sete ninhos de alto risco com vedações, quatro destes ainda tinham ovos e os outros três já possuíam crias.
Dos ninhos vedados em fase de incubação, dois foram abandonados durante a ceifa, pelo que os nossos técnicos de campo tiveram de resgatar os ovos e levá-los para o CRAS-HVUTAD, onde concluíram o desenvolvimento. Ao todo, foram resgatados 28 ovos de tartaranhão-caçador durante a época de reprodução de 2024, todos em parcelas agrícolas com ceifa iminente ou abandonados pelos progenitores durante a ceifa.
Os ovos resgatados resultaram em 20 crias que, após atingirem cerca de 19 dias de idade, foram transportadas para a estação de aclimatação (também conhecida como jaula de hacking), onde permaneceram durante cerca de um mês. No final de julho, os 20 juvenis voadores, com cerca de 50 a 55 dias, foram devolvidos de forma gradual ao meio natural (um método também conhecido como soft release), usado para facilitar a fixação das aves ao território.
Sem a intervenção no campo, a produtividade natural esperada em 2024 correspondia a um total de 19 juvenis voadores, um valor insuficiente para garantir a viabilidade da população de tartaranhão-caçador no Norte de Portugal. Com as ações de conservação descritas anteriormente, houve um aumento significativo da produtividade, quase 180% superior ao cenário projetado sem intervenção no terreno. Assim, graças à campanha, em 2024, o Norte de Portugal viu voar 53 novos juvenis.
Na campanha de 2024, também foram marcados com dispositivo GPS dez crias e dois adultos, em colaboração com o biólogo Carlos Pacheco, do BIOPOLIS-CIBIO, que marcou os indivíduos, e o ICNF, que forneceu os GPS para as crias. A informação fornecida por estes equipamentos será essencial para melhorar as medidas de proteção da espécie.
A cada voo, a cada ano, novas lições e os mesmos desafios
Apesar do sucesso da campanha de 2024, persistem os desafios a que temos de responder eficazmente para impedir o desaparecimento do tartaranhão-caçador das searas em Portugal, o seu território histórico.
A destruição de ninhos em terrenos cultivados ou aparentemente abandonados e incultos, de forma involuntária e/ou por desconhecimento, ou por predação de outras espécies, como javali e raposa, continua a ser uma ameaça concreta. Nestes casos, a dificuldade em identificar os proprietários dificulta qualquer tentativa de proteção atempada e colaboração.
Além disso, a compensação financeira disponível para os agricultores, atualmente fixada em 250€ por hectare no apoio agroambiental do Estado relativo à proteção desta espécie, mostra-se insuficiente, sobretudo em Trás-os-Montes, onde muitas parcelas são de pequena dimensão e o esforço de conservação pode implicar perdas acentuadas de rendimento.
Para garantir o envolvimento dos agricultores, atores fundamentais na salvaguarda do tartaranhão-caçador, será necessário reforçar os incentivos, tornando-os verdadeiramente compensadores e ajustados à realidade local.
Mas o céu não está vazio e a esperança continua a ganhar asas…
Em 2025, o projeto LIFE SOS Pygargus propõe-se a reforçar e expandir as medidas de conservação já implementadas no âmbito da campanha, com foco na proteção de ninhos em terrenos cultivados e não cultivados, na otimização das medidas de mitigação de ameaças e na monitorização via GPS dos juvenis devolvidos à natureza, para avaliar o verdadeiro alcance e impacto das intervenções a longo prazo. Pretende-se ainda trabalhar para garantir melhores condições de envolvimento e participação ativa dos agricultores, através de incentivos mais justos e eficazes que reconheçam o seu papel essencial na preservação desta espécie.
Entre os muitos sinais de esperança que brotam do esforço coletivo para evitar a extinção iminente desta ave, destaca-se a história da fêmea P57. Devolvida à natureza em 2022, após ter sido resgatada de um ninho em perigo, reproduziu-se com sucesso em Espanha e, em 2024, deu origem a um juvenil voador que já foi observado fora do ninho, a voar livremente e a ser alimentado pelo progenitor.
Este é só um dos muitos testemunhos do poder da dedicação de todos os envolvidos na campanha e do trabalho realizado, que permitirão conservar as searas da Península Ibérica e a sua icónica biodiversidade.
A campanha “Salvar o tartaranhão-caçador” arrancou em 2022 no âmbito do projeto “Searas com Biodiversidade: Salvemos a Águia-caçadeira”, desenvolvido pela Palombar, BIOPOLIS-CIBIO, Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas (ANPOC) e Clube de Produtores Continente. Foi agora integrada no LIFE SOS Pygargus. Em 2024, contou com o apoio financeiro da Fundação Belmiro de Azevedo
Fonte: LIFE SOS Pygargus