Consegui lavrar a última parcela para a sementeira do milho, o que ainda não tinha sido possível por causa da chuva e da humidade da terra. Ficam ainda para trás dois pequenos pedaços ainda mais encharcados, à espera de dias mais secos.
Pelo que vou observando, ao vivo entre os meus vizinhos e ao longe através das redes sociais, andam todos os agricultores a aproveitar estes dias de sol para colher ervas, fertilizar a terra, lavrar e semear.
A propósito de lavrar, li há meses um daqueles textos muito “cheios de razão”, com alguém a defender que as charruas deviam estar no museu. Quando é que já ouvi isso?
Em 1998, eu tinha acabado de me instalar como jovem agricultor e, seguindo os meus colegas, decidi atualizar o meu equipamento de preparação da terra e sementeira. Comprei um trator com 90cv, acrescentei um ferro / aiveca na charrua que já tinha, comprei uma rotofresa de 2,5 metros e um semeador de milho de 4 linhas. Como jovem agricultor, tive na altura um apoio de 25%.
Nesse mesmo ano, ou no ano seguinte, aderi, apenas com uma parcela de 1 hectare, a um projeto experimental de “sementeira direta”, num grupo de 25 agricultores, processo que dispensa a mobilizaçao da terra. Perante as vantagens que ouvia sobre o novo sistema, lembro-me de ter pensado que tinha feito asneira ao investir na charrua e na fresa. Ao fim de 5 anos, quase todos abandonámos a experiência da sementeira direta e voltamos a 100% à lavoura. As razões foram dificuldades com infestantes, pragas (no meu caso, tive um ataque de uma espécie de pulgões que invadiram as casas vizinhas ao terreno), falhas na sementeira e necessidade de incorporar o chorume na terra. Também houve quem tivesse bons resultados, mas aqui na minha zona a percentagem de sementeira direta é muito baixa.
É uma técnica muito interessante para evitar a erosão, mas aqui, até agora, não teve sucesso. Pelo contrário, as charruas, nas suas variadas formas e tamanhos, sucessoras dos arados usados há centenas ou milhares de anos, continuam a atualizar-se e virar a terra. Os lavradores continuam a lavrar.
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.