1 – Introdução
A alfarrobeira (Ceratonia siliqua L.) é uma árvore rústica capaz de se desenvolver e frutificar em condições de sequeiro. O nome alfarroba deriva do vocabulário árabe Kharoubah que noutros idiomas deu origem a algarrobo (espanhol), carruba (italiano), caroube (francês), carob (inglês) ou karoub (hebreu) (Loução & Brito de Carvalho, 1989).
Esta espécie é originária das zonas áridas do Mediterrâneo e da Península Arábica. O cultivo desta fruteira é muito antigo na maioria dos países da bacia mediterrânica, em zonas onde os solos são pouco aptos para outras culturas. Com o passar dos anos, a alfarrobeira estendeu-se a zonas temperadas (Califórnia, México, Austrália). Pensa-se que a alfarrobeira terá sido trazida pelos gregos, mas a sua proliferação ao Norte de África, Espanha e Portugal foi devida aos árabes.
No antigo Egipto terão sido utilizadas as sementes da alfarroba no processo de mumificação e para a realização de colares decorativos. Os egípcios utilizavam também a alfarroba para a produção de vinho, e com os seus frutos e cascas tingiam os couros (Marti & Caravaca, 1997).
2 – Generalidades sobre a cultura da alfarrobeira
A alfarrobeira (Ceratonia siliqua L.) é uma espécie arbórea de folha persistente, podendo atingir 10 a 20 m de altura dependendo das condições ambientais. Pertence à família das Fabaceae ou leguminosas, subfamília Caesalpinoidae e género Ceratonia (Moreno & Hernández, 2003).
As folhas são persistentes, alternas e compostas por 1 a 5 pares de folíolos ovados e elípticos. Apresentam uma coloração verde escura e lustrosa na página superior e um verde mais pálido na página inferior (Marti &Caravaca, 1990).
O carácter xerófito da alfarrobeira é observável pela consistência das suas folhas e pela sua tendência a se enrolarem em situações de “stress”, quer seja provocado pela seca ou por ventos fortes ou por aumento da temperatura ambiental (Moreno & Hernández, 2003).
Na generalidade, as flores são pequenas, imperfeitas, reunidas em inflorescências racimiformes. No Algarve as inflorescências são chamadas vulgarmente por candeio (Loução & Brito de Carvalho, 1989).
É uma espécie polígamo-trioica, ou seja, apresenta flores femininas, masculinas e hermafroditas sobre pés distintos. O melhoramento genético, atualmente, pretende criar variedades hermafroditas que produzam alfarroba de melhor qualidade. As variedades hermafroditas possuem menos qualidade do que as variedades unicamente femininas (Moreno & Hernández, 2003).
As árvores que apresentam só flores femininas tendem a apresentar frutos mais tarde e de maior tamanho. Dentro das alfarrobeiras de flor masculina existem flores que possuem cor amarela e outras de cor vermelha, as de cor vermelha produzem uma maior quantidade de pólen, mas são mais sensíveis ao frio (Marti, 1984).
As inflorescências localizam-se em rácimos laterais na madeira com mais de dois anos. Cada rácimo possui 20 a 50 flores, mas só cerca de 1 a 5 flores chega a frutificar (Marti & Caravaca, 1990).
As inflorescências surgem nos nós dos ramos de três a cinco anos de idade e aparecem de julho a dezembro. A polinização pode ser anemófila (provocada pelo vento) e entomófila (causada por insetos), e ocorre principalmente de setembro a outubro. Geralmente é recomendado existir 10 a 20 % de polinizadores masculinos entre as plantações de árvores femininas. Pode-se enxertar numa árvore feminina um ramo com um ou vários botões masculinos, de modo a que os ramos que surjam possam quando florescerem, garantir a polinização (Marti, 1984).
Como esta espécie é poligâmica é indispensável a presença de polinizadoras, salvo exceções em que o cultivo seja restrito a variedades hermafroditas. A floração é muito escalonada e possui uma duração superior a 4 meses. A floração masculina possui um período mais alargado do que a floração feminina. Nas variedades masculinas existem períodos diferentes de floração, existindo variedades de ciclo precoce e serôdias. A polinização é realizada sobretudo por insetos, no entanto acredita-se que o vento possui um papel também importante no transporte do pólen (Marti & Caravaca, 1997).
O fruto é a alfarroba que possui uma forma alongada, comprimida e coriácea, 10 a 22 cm de comprimento, 2 a 3 cm de largura e grossura. Apresenta coloração verde quando é jovem e durante o inverno está inativo. O fruto cresce rapidamente entre fevereiro e início de junho, época em que alcança o seu tamanho máximo. Em julho a sua cor verde muda para chocolate escuro e atinge a sua maturidade final no início setembro. Os frutos podem encontrar-se isolados ou agrupados (Marti, 1984).
A fase de crescimento e maturação leva cerca de 11 meses, originando-se uma sobreposição da alfarroba madura, que se encontra ainda na árvore, com o crescimento inicial das inflorescências (Moreno & Hernández, 2003).
A alfarroba é indeiscente, isto é, não liberta as sementes, que contém no seu interior, embora estejam livres dentro da vagem quando o fruto se encontra completamente maduro. As sementes ou os grãos de alfarroba são ovais, planas de 9 a 10 mm de comprimento, por 7 a 8 de largura, lustrosas avermelhadas, lisas, duras e encontram-se em número de 8 para 12 em cada fruto (Marti, 1984).
O ciclo vegetativo não se interrompe totalmente, havendo um repouso invernal relativo e uma certa paragem estival. Existe uma redução da velocidade de absorção por parte das raízes e uma diminuição da circulação de seiva, o que demarca os períodos de crescimento. O crescimento vegetativo ocorre principalmente em duas épocas, na primavera e no princípio do outono (Marti & Caravaca, 1990).
A indução floral ocorre na primavera sendo que o desenvolvimento das inflorescências se inicia no verão, o seu crescimento continua durante setembro e outubro. A polinização inicia-se em agosto, ocorrendo a floração, já referida anteriormente, durante um período bastante largo, dura cerca de 4 a 5 meses e é escalonada (a maturação dos frutos não ocorre toda na mesma altura) (Moreno & Hernández, 2003).
Os frutos que não caem durante o período de inverno (devido a fatores climáticos adversos como geadas, ventos fortes, etc.) começam a desenvolver-se lentamente até março, mês em que o crescimento começa a ser mais rápido.
É na primavera e outono que se verificam as primeiras fases de crescimento e floração. Os gomos terminais são vegetativos, os florais podem ser: axilares, mistos, múltiplos e adventícias (Marti & Caravaca, 1990).
Atualmente a produção de alfarroba concentra-se nos países com clima mediterrânico e semiárido, sendo a lista de produtores bastante restrita. Esta cultura encontra-se pouco valorizada por alguns países, visto desconhecerem o seu potencial produtivo, e o seu vasto leque de utilizações.
A área de alfarrobal bem como a produção mundial tem vindo a diminuir desde 1994 até 2016, o que se pode justificar pelo investimento em outras culturas, tais como por exemplo olival que tem vindo a aumentar consideravelmente a sua área e atualmente é possível cultivar olival, até em solos considerados marginais que anteriormente eram apenas indicados para pastagens ou para alfarrobal.
O principal produtor de alfarroba é a Espanha, segundo os dados fornecidos pela FAO (2016), o que é compreensível visto ser o país que mais estudos têm realizado sobre esta espécie, e que maior número de variedades possui. Portugal ocupa o 2º lugar o que se deve sobretudo à zona do barlavento Algarvio.
A principal região produtora de alfarroba em Portugal é o Algarve, no entanto nos últimos anos, tem-se verificado um aumento da área de produção no Alentejo, o que também tem contribuído para o 2º lugar que Portugal ocupa no “ranking” mundial de produtores de alfarroba.
A produção de alfarroba em Portugal tem sofrido várias oscilações, sendo que em 2006 obteve a sua produção mais baixa de sempre, inferior a 20 000 toneladas, e em 2014 ultrapassou as 40 000 toneladas. A área de cultivo tal como a produção têm oscilado ao logo dos anos, em 2016 que foi o último ano em que a FAO possui dados estatísticos, a área de produção correspondia a 13 337 hectares e obteve-se nesse ano uma produção superior a 40 000 toneladas.
3 – Adaptabilidade da espécie à região do Alentejo
Realizou-se o acompanhamento de um pomar de alfarrobeiras em modo de produção biológico, instalado na Herdade dos Lagos, que fica localizada em Vale de Açor de Cima no distrito de Beja, concelho de Mértola e freguesia de Alcaria Ruiva.
Os solos onde está instalado o pomar são do tipo Vx e Ex, os solos Vx correspondem a solos mediterrânicos vermelhos ou amarelos de xisto. São solos pouco profundos (40 cm de profundidade) com pH entre 5 a 6. Os solos Ex são classificados como solos litólicos esqueléticos de xisto ou grauvaques, possuem um declive acentuado, são bastante pobres em matéria orgânica e possuem uma espessura muito reduzida (Cardoso, 1965).
Relativamente ao clima, a região de Mértola possui um clima Árido – Tipo B, Subtipo BS (clima de estepe), variedade BSk (clima de estepe fria da latitude média), caracterizado por uma escassez de precipitação.
Quando há humidade, principalmente no inverno, a temperatura é baixa; quando as temperaturas são mais altas, nos meses de verão, a precipitação é quase nula. A estação quente é a estação seca.
Em janeiro a média anual de dias com geada é de 9 dias, fevereiro e dezembro apresentam 7 dias, março e novembro surgem com uma média de 3 dias e abril apresenta a probabilidade de 1 dia de geada. Nos meses de fim de primavera e verão não foi verificado qualquer dia com geada.
Há a possibilidade de ocorrência de geadas tardias em março e inclusive em abril. Estas geadas tardias podem limitar a produção de alfarroba.
A área de alfarrobal atualmente é de 280 ha, com um compasso aproximado de 7 m × 6 m, sendo o maior alfarrobal contínuo do Alentejo. Teve uma plantação escalonada, os primeiros 55 ha foram plantados em 1997 (enxertia em 2001), em 1999 foram instalados mais 85 ha (enxertia em 2002), em 2002 reconverteram 122 ha de amendoeiras para alfarrobeiras (enxertia em 2004) e em 2007 foram instalados mais 18 ha de alfarrobal (enxertia em 2009).

3.1 – Cultivares
Inicialmente todas as árvores instaladas eram dioicas. Foi realizada a enxertia no local com as cultivares Mulata, Preta de Lagos e Galhosa, sobre a cultivar instalada, cuja identificação se desconhece e que funcionou como porta-enxerto.
A taxa de insucesso da enxertia foi muito elevada, e hoje encontram-se no pomar plantas dioicas, plantas hermafroditas e plantas em estado silvestre. Devido a esse insucesso na enxertia não se verifica uma disposição lógica das cultivares.
Atualmente estão instaladas cultivares produtivas como a Mulata, a Galhosa, a Aida, a Canela (quadro 1) e a Preta. No entanto, para além destas cultivares femininas, também se encontram cultivares hermafroditas e masculinas, das quais não se sabe o nome.

3.2 – Estados fenológicos
Foi realizado o acompanhamento dos estados fenológicos das alfarrobeiras no período compreendido entre agosto de 2017 e maio de 2018, de acordo com a escala de BBCH estabelecida por Meier et al. (1994) (fig. 1).
Em agosto a alfarroba encontra-se pronta para a colheita e já são visíveis pequenas inflorescências. No mês de setembro ocorre a abertura das flores e inicia-se a polinização. O vingamento do fruto ocorre em dezembro e como tal as flores masculinas surgem necrosadas, em virtude de a sua função fisiológica ter terminado. Ao longo dos meses seguintes, o fruto vai aumento o seu tamanho, até atingir o crescimento máximo no mês de maio.
3.3 – Práticas culturais Controlo de Infestantes
Tanto na linha como na entrelinha o alfarrobal possui um enrelvamento natural, com vegetação espontânea.
O controlo das infestantes é realizado por via mecânica com a utilização do destroçador na entrelinha e através da utilização de ovelhas, que utilizam a vegetação espontânea que surge no pomar como pastagem, no período de inverno/primavera. A utilização de ovelhas permite fertilizar o solo e realizar um controlo de infestantes de baixo custo.
Por vezes é realizado o controlo de infestantes na linha com uma roçadora.
Rega
Atualmente o pomar é de sequeiro, embora já tenha sido regado. Há cerca de 3 anos que não se realiza a rega, devido à pouca disponibilidade hídrica das barragens existentes.
Fertilização
A fertilização é orgânica, sendo a principal fonte, os dejetos das ovelhas, que são deixados durante a sua passagem pelo alfarrobal. Também é recolhido o estrume das ovelhas, quando as mesmas não estão no pomar, posteriormente é colocado na entrelinha, é tapado e vai sofrer uma fermentação durante cerca de 6 meses, originando um composto que irá ser incorporado no solo.
Poda
A poda não é feita de forma regular, de acordo as necessidades da árvore, devido aos elevados custos que acarreta.
Desta forma, consiste apenas em retirar os rebentos ladrões que surgem junto à base do tronco.
Controlo Fitossanitário
Devido à elevada capacidade de resistência da alfarrobeira a pragas e doenças, não são realizados tratamentos e o controlo fitossanitário é apenas visual. Até ao momento não tem existido uma forte incidência de pragas no alfarrobal, que ponha em risco a produção, no entanto foi observada uma população considerável de cochonilhas, em várias árvores, o que revela ser necessário manter sob vigilância o alfarrobal.
Colheita
A alfarroba nem sempre se desprende com facilidade da árvore. Para facilitar o processo de colheita é utilizado um vibrador de troncos, também utilizado na colheita da azeitona.
A alfarroba depois de colhida é vendida para a indústria transformadora para o Algarve ou para os Estados Unidos. A Herdade dos Lagos encontra-se a elaborar um projeto para a construção de um centro de transformação de alfarroba, o que irá permitir valorizar o produto e obter um preço mais interessante no mercado.
A produção obtida em 2017 foi de 48 toneladas de alfarroba o que se traduz numa produtividade de de 171 kg/ha. Esta foi a produção apenas de uma parte da área, porque existem ainda áreas não produtivas (última fase de plantação – 18 hectares) e áreas com muitas falhas de árvores, principalmente nas zonas baixas mais alagadas. Os 85 hectares plantados em 1999 são muito pouco produtivos e raramente é feita a colheita nesta parcela, ou seja, contabiliza-se apenas cerca de 122 ha em início de produção e 55 ha em plena produção, os restantes consideram-se em período não produtivo.
Referências Bibliográficas
Cardoso, J. 1965. Os Solos de Portugal – Sua Classificação, Caracterização e Gênese. Secretaria de Estado da Agricultura – Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas. Lisboa.
Correia, P. J. 2017. Alfarrobeira: Estado da Produção. Editor Cncfs. Obtido em 10 de março de 2018, de http://www.wp.cncfs.pt/
FAO. 2016. FAOSTAT. Obtido em 1 de abril de 2018, de Food and Agriculture Organization,: http://www.fao.org
Loução, M. M.; Brito de Carvalho, J. H. 1989. A cultura da Alfarrobeira. Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação. Lisboa.
Marti, J. T. 1984. Cultivo del Algarrobo. Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentacion. Hojas Divulgadoras. Madrid.
Marti, J. T.; Caravaca, I. B. 1990. El Algarrobo. Mundi-Prensa. Madrid.
Marti, J. T.; Caravaca, I. B. 1997. Carob tree – Ceratonia siliqua L. International Plant Genetic Resources Institute. Rome, Italy. Obtido em 5 de abril de 2018, de https://books.google.pt/books?hl=pt
Moreno, P.; Hernández, D. 2003. Tratado de Fruticultura para zonas áridas y semiáridas (Vols. II – Algarrobo, granado y jinjolero). Mundi-Prensa. Madrid.
Um artigo de Patrícia Raposo (1), Helena Manuel (2) e Mariana Regato (1)*
1 Instituto Politécnico de Beja/Escola superior Agrária
Rua Pedro Soares, Campus do Instituto Politécnico de Beja
7800-295-Beja
2 Herdade dos Lagos, Vale de Açor de cima, cx. Postal 43,
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Publicado na Voz do Campo n.º 226 (maio 2019)