
Os ambientalistas estão incrédulos com a deliberação emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Quando esperavam que Portugal seguisse o exemplo da Andaluzia e decretasse a proibição a apanha mecânica noturna da azeitona, depararam-se com uma recomendação que consideram “não ser clara” para os produtores de azeitona, nem para as autoridades que fiscalizam esta prática.
A referida deliberação, emitida pela direção do ICNF a 25 de outubro, apenas indica que “os olivicultores se deverão abster de desenvolver qualquer prática que possa promover esta mortalidade [de aves], designadamente a apanha noturna de azeitona”. Contudo, sem interditar esta prática, a autoridade de conservação da natureza apenas “alerta” o sector para a legislação em vigor que proíbe a morte ou perturbação de aves de espécies protegidas. E, na mesma nota, frisa que “serão reforçadas as ações de fiscalização durante os meses de outubro 2019 a março 2020”, ao mesmo tempo que o INIAV irá coordenar um estudo para “avaliar os impactes provocados pela colheita mecânica noturna de azeitonas nos olivais superintensivos”.
Um dia antes, quatro associações ligadas ao sector — Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri), Casa do Azeite, e a Associação de Olivicultores do Sul (Olivum) — tinham emitido um comunicado em que recomendavam o mesmo: a suspensão “voluntária e temporária” da apanha noturna de azeitona, sempre que surja o “risco de impacto negativo” para a avifauna, e aguardando por estudos mais conclusivos.
100 mil aves em risco
“Sem proibição total de apanha noturna de azeitona, a situação de risco mantém-se, o que é uma falha grave”, assevera ao Expresso o dirigente da Quercus, Nuno Sequeira. O ambientalista lembra que com base nos casos da campanha do ano passado, estimam que possam morrer anualmente em Portugal entre 70 mil e 100 mil aves devido a esta prática, que suga as azeitonas e em simultâneo as pequenas aves que dormem nos ramos das oliveiras.
Em duas ações de fiscalização feitas pelo Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da Guarda Nacional Republicana (SEPNA/GNR) realizadas numa única exploração no distrito de Portalegre, entre final de 2018 e início de 2019, detetaram 375 aves mortas. Entre estas contavam-se espécies protegidas por lei como o verdilhão, o tordo-comum, a milheirinha ou a toutinegra. O caso, que pode ser classificado como um crime de dano contra a natureza, está a ser investigado pelo Ministério Público.
“Portugal devia seguir o princípio da precaução e proibir a apanha noturna de azeitona como fez a Andaluzia”, afirma Joaquim Teodósio, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). A Consejeria de Agricultura, Ganaderia, Pesca de Desarrollo Sostenible da Andaluzia determinou a suspensão da apanha “entre o pôr-do-sol e o amanhecer” durante 10 meses, enquanto não tiver conclusões sobre o impacto ambiental desta actividade sobre a avifauna. Para o biólogo, “o país tem de ter uma posição clara sobre isto para que o impacto nas aves seja nulo, mas esta posição não é nada clara”. A prová-lo, diz: “É sermos contactados por olivicultores e até por elementos da GNR que nos pedem esclarecimentos sobre a deliberação do ICNF”.
Questionada sobre possíveis dúvidas face à deliberação do ICNF, a GNR/SEPNA informa que “a prática da apanha noturna mecanizada de azeitona, no que concerne à legislação nacional, não constitui qualquer ilícito contraordenacional ou criminal, a não ser que daí resulte a perturbação e mortandade de aves” e diz que “a Guarda tem vindo a manter o reforço da fiscalização, quer aos olivais quer aos lagares de produção de azeite, no âmbito da “Operação Lagareiro””. Até agora, a única situação ilegal detetada foi a já participada ao Ministério Público.
“O relatório do SEPNA que levou à abertura do processo no MP, indica que nada se vê junto às máquinas à noite e que as aves mortas só são detetadas quando as azeitonas vão para os tapetes”, explica Nuno Sequeira. Este tipo de observação permitiu às autoridades detetar cerca de 480 pássaros mortos resultantes de 25 cargas de azeitona colhidas em 75 hectares na zona de Avis, em dezembro e janeiro passados.
No início de 2019, o ICNF constatou que estes números equivaliam a “uma média de 6,4 aves mortas por hectare”, mas considerou que “não permitia conclusões definitivas”. O então presidente do ICNF, Rogério Rodrigues, considerou que os números não eram “estatisticamente relevantes” para determinar a proibição da apanha noturna e que era necessário reforçar a amostragem na época de colheita deste ano, para decidir “medidas mais drásticas”. É esse estudo que o ICNF, agora dirigido por Nuno Banza, incumbiu o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) de realizar na campanha de 2019/2020. Segundo fonte próxima do processo, a decisão “foi articulada com a PGR, e como a lei proíbe perturbar e matar aves, seria redundante proibir a apanha noturna de azeitona”.
Entretanto, ” associações ambientalistas da Holanda e do Reino Unido estão já a apelar ao boicote do azeite de marcas espanholas e portuguesas junto dos consumidores, o que também atinge o olival tradicional”, alerta Joaquim Teodósio, da SPEA.