António Costa Boal gosta de arriscar, mas com cautela. Apostou na mal amada região de Trás-os-Montes e a crise do coronavírus não o impediu de lançar novidades. Porém, adiou a construção de uma nova adega.
Quebrar paradigmas não é fácil, mas a Costa Boal, empresa nomeada segundo o apelido do seu proprietário, António, filho e neto de produtores de vinho, aí está, precisamente com esse posicionamento. Há um par de anos era praticamente impossível encontrar vinhos de Trás-os-Montes em Lisboa e no Porto, “porque era tudo auto-consumido, não se gastava recursos a levá-los para longe”, como lembra Paulo Nunes, enólogo da casa, e hoje ocupam lugar de destaque, a assinalar a versatilidade da região.
Porque é disso que, ali, se trata. “Em Portugal, não há região mais diversa, como expressa a velha nomenclatura da Terra Fria e da Terra Quente”, sublinha, referindo com humor que, na zona de Mirandela, onde ficam as vinhas transmontanas da Costa Boal, “se podem estrelar ovos nas pedras em agosto”. Não espanta, portanto, que tenha ali criado um monovarietal de Alicante Bouschet, a casta dileta do Alentejo.
Ali ao lado, no planalto mirandês, por exemplo, o clima é bem diferente – tal como é diferente no vizinho Douro, até ao nível dos solos: “Vinhas da mesma casta comportam-se de maneira distinta em xisto e em granito.” Como não aproveitar esta especificidade para fazer néctares únicos, complexos e gastronómicos, que ficam na memória?
O produtor
Foi no planalto de Alijó, no Douro, que António Costa Boal se tornou produtor, por ter herdado as terras em Cabêda onde a família fazia vinho desde o século XIX. Largou o curso de Engenharia Alimentar, no Porto, e ali se instalou em 2010, apostando numa enologia profissional e num patamar vinhateiro superior.
De caminho, “porque no Douro ia ser sempre apenas mais um, entre centenas”, e percebendo que “em Trás-os-Montes havia um património riquíssimo, mas subaproveitado, de vinhas velhas”, comprou uma quinta em Mirandela. Tiro certeiro: “Peguei num diamante em bruto e o mercado deu-me razão.” Nos restaurantes das grandes cidades, muitos já queriam há muito acrescentar a região às suas cartas de vinhos.

A história
Tudo começou com a herança, mas António não ficou parado: comprou novas quintas e tem trilhado um caminho de irreverência prudente, acrescentando brancos ao seu portfólio, hoje com 80% de tintos, e virando-se para monovarietais de castas improváveis, como Tinto Cão e Sousão, no Douro, num claro “remar contra a maré dos padrões”.
Para os vinhos durienses, criou a marca Flor do Côa e, em tributo à família, os Costa Boal Homenagem, grandes reservas com envelhecimento nas adegas que tem em Cabêda. Para os de Trás-os-Montes, juntou à gama média Flor do Tua, os vinhos premium Quinta dos Távoras e Palácio dos Távoras, de que acaba de lançar quatro néctares superlativos, um deles de Baga, casta desde sempre associada à Bairrada.
O vinho
Na verdade este Baga nasceu de um acidente: “Em 2013, ia plantar Touriga Nacional, mas esgotou. Não ia deixar as terras paradas, não é?” Pergunta retórica de António, que em seguida chamou à casa a enologia de Paulo Nunes, com provas dadas no Dão e na Bairrada e estudioso desta casta.
É ele que garante à SÁBADO que Trás-os-Montes é “uma região emergente, ainda com muito por revelar”, comparando-a à francesa Jura, também em ascensão, embora em tempos alvo de chacota dos vizinhos: “Diziam que o melhor que eles tinham era a vista para a Borgonha, esse gigante da produção vinícola.” Bem têm engolido o gozo: “Há uma crescente procura por vinhos mais leves, sem aquela estrutura e cargas tanínicas antes valorizadas.”
Destaca, a esse propósito, os vinhos da casta Bastardo, também representada na gama Palácio dos Távoras, “algo a meio caminho entre um rosé e um tinto, de fruta intensa, aromas de cereja e morango, muito fácil de beber”. Um sucesso que vai a par da “revolução gastronómica em marcha desde há uns cinco anos” e que alterou o padrão do gosto e a procura: “Antigamente comia-se feijoadas e cozidos à portuguesa todas as semanas, hoje as pessoas privilegiam comidas menos calóricas.” Ora, a casta tinta Bastardo, de Trás-os-Montes, dá vinhos mais leves e menos alcoólicos, “ideais para uma salada”.
O futuro
Com um impacto significativo nas receitas, sobretudo devido à queda do mercado da restauração, 50% das vendas da Costa Boal, a pandemia abalou apenas ligeiramente o caminho da empresa, que nos últimos meses reforçou a sua posição nas garrafeiras online, “especialmente nas gamas média e alta”. Isto é: de um portfólio que vai de €3 a €90, a procura tem incidido nos vinhos entre €12 e €40. Além disso, “as exportações também estão a voltar, até a China já reabriu”.
Portanto, a produção continua intacta, “porque a agricultura não para”, e os lançamentos de novidades não foram adiados: acaba de lançar quatro Palácio dos Távoras, vem aí o Costa Boal Homenagem Branco de 2015 e, no final do ano, um Moon Harvest (de vindima noturna, de 2015) de Palácio dos Távoras.
Teve, isso sim, de comprar novos depósitos para armazenamento – mais pequenos do que os que tinha, com capacidade de 50 mil litros em vez dos habituais 1.000 a 5.000, “para trabalhar individualmente diferentes castas e parcelas de vinha”, num investimento de 60 mil euros, vai lançar “uma versão alternativa, de 200 ml., para quem quer ter a experiência sem gastar tanto” do seu Porto Muito Velho, tesouro deixado pelos avós, até agora apenas disponível em garrafas de meio litro por €1.200, e resolveu adiar a construção de uma nova adega no Douro, a pensar no enoturismo. “Sempre gostei de arriscar e quebrar paradigmas, mas com ponderação”, remata.