Uma mostra diferente nas Lezírias: a pandemia mudou o mundo como o conhecemos e a Agroglobal não foi exceção à regra. O maior evento profissional agrícola do país esperava receber 475 expositores para mais uma edição, mas, ao contrário da habitual azáfama de empresas, que de dois emdois anos se deslocam a Valada do Ribatejo para mostrar as suas novidades no recinto ao longo do rio Tejo (como pode ver na imagem), este ano o evento no auditório da Companhia das Lezírias, em Santarém, será digital. Entre 9 e 11 de setembro, poderá assistir — em agroglobal.pt — a uma série de debates, que vão juntar empresários e figuras do sector para discutir algumas das principais questões agrícolas atuais. O site do certame receberá também uma plantavirtual que dará oportunidade aos expositores de comunicarem as suas mais recentes soluções. A Agroglobal começou em 2009 como Feira do Milho e 100 expositores e desde 2014 que se realiza de dois em dois anos. Já para 2021 prevê-se um retorno à fórmula tradicional de 6 a 8 de julho
Projetos Expresso. Agroalimentar. As contingências da pandemia não interromperam o trabalho agrícola, com o sector a ser dos poucos a registar resultados positivos neste período. Agora é lidar com as falhas estruturais para enfrentar o agravamento da crise
É hora de cerrar fileiras, perceber o que correu mal e o que correu bem e olhar com realismo para os tempos difíceis que se avizinham. Razão pela qual o comissário europeu da Agricultura, Janusz Wojciechowski, está a preparar, em conjunto com o seu gabinete, “um plano de contingência para garantir o abastecimento e segurança alimentar na União Europeia em tempos de crise”. A garantia foi dada ao Expresso com votos de reconhecimento pela “resiliência demonstrada pelo sector”, mas com avisos quanto às “incertezas que subsistem” em Portugal.
O coordenador científico da AGRO. GES, Francisco Avillez, lembra que se “é verdade que o sector agroalimentar português está a ser, no seu conjunto, menos penalizado do que muitos outros dos sectores económicos”, temos de perceber que ainda é cedo para tirar todas as conclusões. O “regresso à normalidade”, como lhe chama, será o “fator determinante para se poder avaliar não só as perdas de produção agrícola e alimentar verificadas, como também a situação económica e financeira que as empresas agrícolas e alimentares apresentarão à saída do túnel”.
Os dados de 2019 do Banco Mundial apontavam para 6% da população ativa a trabalhar na agricultura em Portugal e a importância do sector não passou despercebida ao longo da crise. “Apesar das dificuldades em escoar a produção e da disrupção das cadeias de abastecimento, a agricultura nacional deu resposta e conseguiu aguentar este primeiro embate”, garante o diretor da Nova SBE, Daniel Traça. “De uma forma geral”, aponta, “a atividade agrícola manteve o seu funcionamento durante a pandemia”. O que foi essencial para que não houvesse ruturas de stock e uma corrida desenfreada aos bens alimentares.
Falta agora aliar a sobrevivência à sustentabilidade quando estamos a entrar num período em que a incerteza grassa. “A aparente resiliência do sector neste primeiro embate não nos deve deixar descansados”, lembra Daniel Traça. “É necessário robustecer e transformar o sector, de modo a torná-lo mais competitivo. Só assim poderemos evitar grandes disrupções em choques futuros.” O académico destaca os problemas de “coesão social e territorial” na agricultura de pequena escala e fala de uma “plausível queda de preços como resultado do excesso de oferta” que pode afetar a agricultura de larga escala com duas questões a ter em conta, e recomenda: “É necessário pensar em respostas de curto prazo, mas, ao mesmo tempo, seria bom aproveitar esta oportunidade para potenciar a transformação da agricultura portuguesa a médio prazo.”
Efeitos significativos
Tópicos que estarão em discussão na próxima sexta-feira (11 de setembro) no debate “Portugal no futuro, uma visão estratégica para agricultura, alimentação e território”, inserido na feira Agroglobal (que pode conhecer melhor nesta página). Miguel Poiares Maduro, presidente da Comissão Científica do Fórum Futuro Gulbenkian, será um dos participantes e não tem dúvidas de que “com o aprofundamento da crise os desafios para a agricultura tenderão a agravar-se, como para os restantes sectores da economia”. Por um lado, “a retração da procura interna e externa terá custos significativos”, ao passo que “os problemas de crédito e liquidez tenderão a ter um efeito de multiplicação negativa”, por exemplo.
“Como ter uma agricultura mais alinhada com as preocupações de sustentabilidade ambiental ou que garanta uma distribuição mais equitativa dos lucros ao longo de toda a cadeia de produção e distribuição?”, pergunta Miguel Poiares Maduro. No final de uma década em que as exportações do sector mais do que duplicaram, de acordo com a Portugal Fresh — Associação para a Promoção das Frutas, Legumes e Flores de Portugal, e após um mês (como pode ver nos números desta página) de junho em que as exportações cresceram face ao ano passado, mesmo no meio de uma pandemia, as bases do futuro não devem ser descuradas.
A visão também se estende à Europa, com Janusz Wojciechowski a afirmar que a crise mostrou “quão essencial a segurança alimentar é para a União Europeia e para o mundo” e que políticas como o Green Deal e o seu programa Farm to Fork (com a sua ênfase na produção sustentável) mostram vontade de apostar na “biodiversidade da Europa” e “transformar os sistemas alimentares”. Para que a próxima crise não coloque tudo em risco.
O sector em Portugal
2,4%
é quanto a agricultura representou para o PIB português em 2019, de acordo com as previsões do INE, o que representa um valor perto dos €4,4 mil milhões e uma ligeira subida face a 2018
€552
milhões foi quanto as exportações do sector agroalimentar representaram em junho deste ano, mais 5,2% do que o verificado no mesmo período de 2019, quando as vendas não passaram dos €524 milhões
€112
milhões é o valor das ajudas do pagamento único 2020 que o Ministério da Agricultura antecipou, em agosto, por causa da pandemia e que se dirigem a cerca de 137 mil beneficiários
Desafios da agricultura
A pandemia veio criar uma disrupção transversal aos vários sectores económicos. De facto, verifica-se uma disrupção das cadeias de abastecimento, a par de uma contração da procura. Os produtores têm hoje dificuldades em escoar a sua produção e existe uma enorme incerteza. A agricultura em Portugal tem três principais desafios. Em primeiro lugar, existe uma baixa atratividade do sector, refletindo a desertificação dos territórios do interior e o envelhecimento da população. Em segundo lugar, a agricultura tem ainda produção de produtos com baixo valor acrescentado, em produções de escala reduzida e pouco competitivas internacionalmente. Finalmente, continuam a pairar sobre o sector grandes ameaças em consequência das alterações climáticas.
Daniel Traça, Diretor da Nova SBE
Antes da pandemia, os desafios para a agricultura já eram grandes. O foco não mudou. Saiu reforçado, num cenário em que a agricultura não parou e provou ser capaz de se reinventar para responder ao país. Numa fase de retoma, apresentamos a agenda de inovação para o sector, que define as políticas para a década, ambicionando mais competitividade, mais inclusão e uma arquitetura mais verde. Com conhecimento e investigação alcançaremos uma agricultura ainda mais sustentável, moderna e orientada para a produção de bens alimentares seguros e saudáveis. Queremos, protegendo o planeta e os recursos, fomentar as cadeias curtas, produzir mais e incrementar as exportações, reforçando a nossa autonomia estratégica. Metas que pretendemos alcançar valorizando o que é nosso e garantindo que ninguém fica para trás.
Maria do Céu Antunes, Ministra da Agricultura
O sector agrícola tem -se mostrado bastante mais resiliente do que a economia como um todo. De facto, o PIB agrícola cresceu 1,7% no segundo trimestre deste ano, quando comparado com o mesmo período do ano anterior, e as exportações de bens agroalimentares estabilizaram, em comparação com 2019. Acredito que esta performance não é fruto do acaso. Em primeiro lugar, existe uma crescente sensibilidade para a necessidade de autossuficiência alimentar. Em segundo, o sector agrícola é hoje um sector onde a qualidade da gestão, o conhecimento científico e a aplicação da tecnologia são cada vez mais transversais. Temos de manter a sustentabilidade como um vector estratégico do desenvolvimento do negócio e produzir mais e melhor com menos recursos.
Pedro Castro e Almeida, Presidente da Comissão Executiva do Santander Portugal
Textos originalmente publicados no Expresso de 5 de setembro de 2020