O azul e o verde são as cores da vida. A espécie humana está a fazer desaparecer da Terra estas duas cores, derrubando as florestas e cobrindo os oceanos, lagos e rios de lixo. Visitamos aqui a geografia das cores de plantas e animais pelo planeta — nós incluídos. Sabia que as papoilas de pétalas vermelhas que vemos nos campos cultivados não deverão ser nativas de Portugal? Ou que as abelhas não vêem o vermelho, mas que as aves o vêem muito bem?
Como bem se visualiza no logótipo do projecto Azul, as cores predominantes no globo terrestre são o azul e o verde. Essas são as cores da vida. A cor azul é a que cobre maior superfície do Globo e a que assinala as áreas aquáticas (oceanos, lagos e rios). Sabemos que só há vida na Terra porque há água neste planeta. A água é um composto químico constituinte do corpo de qualquer ser vivo. Por exemplo, no meu caso, dos 70 quilos que peso, 42 são de água. Isto é, mais de metade (cerca de 60%) de mim é água. Cerca de 80% do corpo de um recém-nascido é água. Aliás, durante os nossos primeiros meses de vida, estamos mergulhados numa solução aquosa, o líquido amniótico.
O azul é, pois, uma cor de vida.
O verde cobre a maior parte da superfície dos continentes e ilhas. É a cor de pigmentos que as plantas e alguns outros seres vivos utilizam para elaborarem, com o auxílio da luz (fotossíntese), nutrientes de que necessitam. Para elaborarem os nutrientes, necessitam, além de luz, de água e de carbono, que retiram da atmosfera. As plantas são, pois, sequestradoras de carbono. Do conjunto de reacções fotossintéticas, para além dos referidos nutrientes, forma-se, também, oxigénio. Esses seres vivos são, portanto, produtores de biomassa, despoluem a atmosfera (sequestradores de CO2) e são fábricas vivas de oxigénio (O2).
Como os animais não são produtores de biomassa, alimentam-se de plantas (herbívoros) ou de animais que se alimentaram de plantas (carnívoros) ou de produtos vegetais e animais, como nós (omnívoros).
Entre as plantas, há enormes diferenças entre a quantidade de biomassa que produzem, o volume de gás carbónico (CO2) que retiram da atmosfera e o de oxigénio que libertam, como, por exemplo, entre o que produz uma pequena erva anual e uma árvore que está todo o ano ao sol. Quanto maior for o volume de uma árvore, maior é a quantidade de biomassa que produz. Na natureza, há árvores de enorme biomassa – como a Gilbertiodendron maximum (Gabão), descoberta para a ciência em 2015, com 100 toneladas e 45 metros de altura, e a Sequoiadendron giganteum (Leste dos Estados Unidos), com 1487 metros cúbicos de volume – e de grande altura, como a Sequoia sempervirens (Leste dos Estados Unidos), com uma altura máxima de 116 metros. Por isso, as florestas, ecossistemas com muitas e várias espécies de árvores, são biomas onde existe elevada quantidade e variedade de seres vivos (biodiversidade).
Nos oceanos, lagos e rios, além de muita água, há uma enorme quantidade de seres produtores de biomassa, como o fitoplâncton. Além disso, há algas castanhas de enormes dimensões (também possuem pigmentos verdes, as clorofilas), que formam autênticas florestas marinhas (kelp), como a alga Macrocystis pyrifera, que chega a atingir quase 100 metros de comprimento. Constituem, também, ecossistemas de elevadíssima biodiversidade.
Além disso, há também pradarias marinhas submersas de plantas com flores e frutos, correspondentes às savanas terrestres de gramíneas onde abundam herbívoros e predadores. São monocotiledóneas, o grupo a que pertencem as gramíneas. Os mamíferos herbívoros que se alimentam nesses prados verdes submersos são os sirenídios (Sirenia), ordem a que pertencem os manatins (três espécies de Trichechus; uma africana e duas americanas) e o dugongue (Dugong dugong). O dugongue ainda ocupa uma vasta área das costas do Índico desde o Mar Vermelho, a costa nordeste de África e as costas do Pacífico da Ásia, a Austrália, Nova Caledónia e ilhas asiáticas e polinésicas.
A espécie humana está a fazer desaparecer estas duas cores da vida na Terra, derrubando drasticamente as florestas e cobrindo os oceanos, lagos e rios de lixo líquido (crude, por exemplo) e sólido. Fotografias aéreas mostram que há cinco enormes ilhas de plástico flutuante nos oceanos: duas no Pacífico; duas no Atlântico e uma no Índico. Só a do Pacífico Norte tem uma superfície equivalente a cerca de três vezes a da França. Se o volume de poluição anual do Mediterrâneo, um oceano quase fechado, continuar ao ritmo actual, calcula-se que em 2030 não terá peixe.
Estamos a poluir e a eliminar os seres vivos dos ecossistemas naturais com as duas cores da vida (azul e verde), o que poderá levar a uma extinção em massa da biodiversidade na Terra.
Na natureza nada é aleatório
Todas as formas de vida que existem na natureza resultaram de milhões de anos de evolução. Os seres vivos não evoluíram independentemente, mas integrados nos ecossistemas dos respectivos biomas. A composição biológica destes biomas depende das coordenadas geográficas (latitude, longitude e altitude), do clima e solo, assim como da cor dos seres vivos que os incorporam.
Nas latitudes polares predomina o branco, nos animais, e não há plantas verdes. Nas savanas das latitudes próximas do Trópico de Câncer e do Trópico de Capricórnio, predomina a tonalidade acastanhada nos animais e nas plantas, na época não pluviosa. Nas regiões equatoriais, predominam tons acinzentado-escuros a pretos nos animais, e o verde-escuro nas plantas.
As cores dos seres vivos também podem variar com a longitude, como as cores das folhas outonais dos carvalhais europeus que são acastanhadas, enquanto na latitude correspondente no continente americano são vermelhas.
Em altitude, as cores dos seres vivos variam imenso, tanto nos ecossistemas aquáticos como nos florestais. Os animais cavernícolas de profundidade são brancos e cegos e nesses biomas não há plantas. A cor, particularmente dos animais, também está relacionada com o período diário em que são activos. Há casos em que a cor está relacionada com a co-evolução entre seres interdependentes, geralmente plantas-animais.
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A cor de flores e frutos: os polinizadores e dispersores
Nas plantas vasculares, com flores e frutos (angiospérmicas), a cor predominante das folhas é o verde, pois as clorofilas são os pigmentos mais importantes para a elaboração dos nutrientes necessários às funções vitais das plantas. Mas as cores das flores e dos frutos resultaram de uma evolução adaptativa face aos agentes polinizadores e dispersores de sementes de frutos, particularmente animais.
As cores das flores dependem do espectro visual dos polinizadores, e a cor dos frutos, da visão dos dispersores. Como a maioria dos insectos vê para além do violeta, eles são sensíveis ao ultravioleta, mas cegos quanto ao vermelho. Nas regiões do globo terrestre em que os polinizadores são insectos, como Portugal, as plantas nativas não têm flores vermelhas. Assim, quando vemos os nossos montes floridos, vemos giestas (Genista, Cytisus e Spartium junceum) – cujas cores vão desde o amarelo e alaranjado ao branco (os insectos vêem pontos e riscos orientadores ultravioletas, mas nós vemos essas flores apenas como brancas) –, urzes (Erica) – desde brancas a violáceas –, rosmaninhos violáceos (Lavandula), alecrim azulado (Rosmarinus officinalis) e a erva-das-sete-sangrias de flores azul-forte (Glandora prostrata). Isto é, vemos flores brancas, amarelas, alaranjadas, azuis e violáceas, mas nenhuma vermelha. Nos campos cultivados acontece o mesmo.
Estou convicto de que as papoilas (Papaver) de pétalas vermelhas não são nativas do território português. Todas produzem ópio e foram introduzidas a partir do Oriente há vários séculos. Tanto Teofrasto (História das Plantas) como Dioscórides (De Materia Medica) referem, indubitavelmente, a papoila do ópio (Papaver somniferum), que tem flores brancas e era utilizada medicinalmente. No nosso país, as papoilas vermelhas encontram-se na orla ou no seio dos campos cultivados, como acontece com uma planta nativa do Sul de África, introduzida em Portugal depois dos Descobrimentos, o trevo-azedo de flores amarelas (Oxalis pes-caprae). É tão abundante que parece nativo. As papoilas vermelhas até poderão ser nativas, mas as flores nem sequer são aromáticas e as pétalas são prematuramente caducas. As abelhas, porém, visitam-nas para colherem grãos de pólen (têm muitos estames por flor), pois as anteras […]