Numa semana em que a imprensa dá nota de um milagre ibérico que parece impressionar a Europa – Espanha e Portugal são agora o motor da economia da zona euro (lembram-se dos PIGS?) – tudo parece girar em torno das decisões da Administração Trump.
Este facto é ainda mais relevante na sequência da perda de fulgor do eixo franco-alemão, – o eterno motor da construção europeia, sobretudo até à integração dos países do Leste europeu – porque não é sustentável que a zona euro dependa em 50% dos países ibéricos para o seu crescimento. Numa dinâmica de relativo fracasso e um cenário político de enorme indefinição – a França a viver em negação e a Alemanha com eleições ainda este mês – a Europa tenderá a acelerar para uma recessão. E todos sabemos quanto dependemos destes países para as nossas trocas comerciais. O facto é que a Península Ibérica nunca terá sido tão importante para o funcionamento da economia da zona euro, o que não deixa de ser relevante para algum “ajuste de contas” com o passado. Seremos capazes de impulsionar, pelo menos, a visão do futuro?
De uma outra latitude têm vindo inquietações. Desde a tomada de posse de Donald Trump, quase todos os dias se discute, analisa ou especula sobre o que está ou irá fazer o Presidente: se avança ou recua, se vai ou não ameaçar a União Europeia, como já fez com o México, Canadá ou China. Pese embora os factos conhecidos e as ameaças ou certezas de retaliações, o que provavelmente acontecerá no caso da União Europeia, tem existido alguma prudência nos discursos, e mesmo a China não aplicou (ainda?) quaisquer tarifas aos produtos alimentares.
Ninguém parece ganhar com as guerras comerciais, a economia global não irá crescer com o protecionismo, as tensões inflacionistas serão reais e só poderão acrescentar mais problemas como os que vivemos na sequência da guerra na Ucrânia. Fica a sensação de que a atual estratégia norte-americana visa apenas reforçar o poder negocial para conquistar objetivos claros, como por exemplo a segurança e defesa na Europa, com mais investimento na NATO (5% do orçamento?), as ajudas à Ucrânia em troca de “terras raras”, os baixos custos de produção chineses, ou as questões do Canal do Panamá, da imigração e do fentanil.
Estivemos esta semana em Roma num encontro da USSEC para os países da Europa, África e Médio Oriente (MENA), com mais de 300 participantes, e os temas e preocupações são evidentes: tarifas comerciais, biossegurança (gripe aviária, peste suína africana, doenças emergentes), políticas migratórias, alterações climáticas e os conflitos, destacando-se destes últimos a guerra na Ucrânia, o conflito em Gaza e o futuro da Palestina. Outra nota de incerteza, com grande impacto nos mercados, sobretudo milho e soja, prende-se com a futura política sobre os biocombustíveis (biodiesel e bioetanol). Será que os atuais mandatos serão revistos em baixa, tendo em conta as anunciadas posições sobre os combustíveis fósseis (drill, baby drill?)
Certamente que tudo isto nos condiciona, mas temos de estar atentos e preparados para, em conjunto com as autoridades, nacionais e europeias, darmos as respostas adequadas. Também aqui se poderão abrir novas oportunidades ou avanços para questões essenciais como a diversificação de mercados, as novas tecnologias, mais inovação, redução dos custos de contexto e da burocracia. Mais soberania para a União Europeia.
De resto, discutimos tudo isto na semana passada, numa reunião com o Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, que reconheceu a importância da indústria de alimentação animal e o papel da IACA na doação de alimentos em situação de catástrofe, pretendendo-se institucionalizar o “IACA Solidária”, com vantagens para as empresas associadas, através de um Protocolo com a DGAV. Tivemos sintonia e apoio a posições em dossiers tão relevantes como a SILOPOR – empresa absolutamente estratégica -, as Novas Técnicas Genómicas, a desflorestação (EUDR), a necessidade de simplificar e agilizar procedimentos, os apoios à indústria e pecuária, o Mercosul, a equidade e reciprocidade de regras (segurança alimentar, ambiente e bem-estar animal) nos acordos comerciais, a discussão sobre o futuro da agricultura e alimentação que arrancou em Bruxelas no dia 4 de fevereiro. Um alinhamento e cumplicidade que saudamos, bem como a disponibilidade de trabalhar em conjunto com a IACA.
No entanto, existe um tema, mais imediato, que nos preocupa fortemente pelo seu impacto: a imposição de direitos antidumping à lisina proveniente da China (que se podem alargar a outros aditivos), no qual também contamos com o apoio das autoridades portuguesas em Bruxelas.
Tendo em conta a imposição de direitos, ainda provisórios, a FEFAC constitui-se parte interessada no processo, de forma a legitimar as posições da Indústria.
O estudo de impacto para a União Europeia aponta para um acréscimo nos custos de produção de alimentos compostos, para aves e suínos, na ordem dos 470 milhões de €. A procura de bagaço de soja tenderá a aumentar, pelo que o montante global pode ser ainda mais significativo. A fileira pecuária europeia perderá competitividade nos mercados globais, comprometendo a sustentabilidade de milhares de empresas.
É evidente que a Europa tem de procurar alternativas à China e a outras geografias, potenciar a indústria europeia, mas aconselha-se maior cautela e ponderação, sobretudo nesta conjuntura de incerteza e crescentes tensões. A proteína é, de facto, um dossier estratégico.
Sem dúvida que a Agenda (disruptiva?) do Presidente Trump, com todas as contradições, representa novos desafios, mas também oportunidades. Seguramente, com diálogo e cooperação com os EUA, reforçando o multilateralismo e evitando divisões nos Estados-membros. Construindo o nosso futuro, não ao ritmo de Trump, mas da União Europeia. Talvez esta seja uma oportunidade única, que não podemos desperdiçar.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA
Levar a serio o relatório DRAGHI – Jaime Piçarra – Notas da semana