O crescente desemprego e as dificuldades com que famílias inteiras se debatiam para ultrapassar inexistências básicas do sustento face à consternação sócio-económica que se vivia em Portugal por altura de 2012 foram razões para prolongadas e repetidas reflexões, nomeadamente nos Açores.

Neste cenário, e com inspiração na natureza, nasceu a convicção de que a planta conteira (Hedychium Gardnerianum – espécie invasora no Arquipélago dos Açores) seria uma fonte de transformação e um potencial de saída. Valorizar o resíduo vegetal desarmonioso e com custos indexados a processos de erradicação em matéria-prima geradora de empregos e amiga do ambiente na substituição dos plásticos.
A primeira manifestação pública aconteceu no ano 2013 após apresentação da ideia à Universidade dos Açores pelas PhD Helena Cristina Vasconcelos e Maria Gabriela Meirelles com a designação de “Conteira Amiga”, aquando da candidatura ao programa europeu “a world you like with a climate you like”, a propósito do que a então Comissária Europeia para a Acção Climática, Connie Hedegaard, na altura disse: “…as alterações climáticas não são um problema ambiental a ser ignorado – tem de ser integrado em estratégias de crescimento económico…”
Logo em 2013 realizaram-se inúmeras reuniões com diferentes individualidades e entidades consideradas estratégicas para sedimentar a ideia e no mês junho, numa reunião no Centro de Empreendedorismo da Universidade dos Açores, a Cooperativa União Agrícola/Associação Agrícola de S. Miguel (CUA/AASM), na pessoa do então e atual Presidente, Jorge Rita, concordou em juntar-se ao crescimento e definição da ideia.
Entretanto a ideia cresce, os contactos multiplicam-se e à equipa juntam-se a PhD Maria João Pereira e o aluno universitário de Biologia na área de Ambiente, Afonso Pinto, até que em 2016 foi atribuída uma bolsa de doutoramento pelo FRCT – Fundo Regional para a Ciência e Tecnologia – para o estudo da Funcionalização de Fibras Naturais para Aplicações Avançadas/Conteira ao bolseiro de doutoramento e membro da equipa, PhD Student Telmo Eleutério.
Em maio de 2017 o projeto “Conteira Amiga” adota a designação de Innovation Green Azores (IGA), potenciando o valor e exposição internacional. Logo no início de 2018 dois quadros da CUA/AASM, Nuno Sousa e Nelson Barroso, integram a equipa e em representação da entidade Promotora, dedicam ao projeto significativa colaboração no âmbito da elaboração do dossier de candidatura, submetido ao PO 2020 no mês de agosto do mesmo ano.
O projeto de investigação (execução em 24 meses), foi aprovado e iniciou-se em dezembro de 2018 – “Valorização de Fibras de Conteira e Produtos Endógenos” – Eixo Prioritário 1.2.1 – Investigação & Desenvolvimento de contexto empresarial.
O QUE É A CONTEIRA?
A Conteira é uma espécie herbácea da família Zingiberaceae, conhecida pela comunidade científica como Hedychium gardnerianum, originária do Nepal, Butão e Índia. É uma espécie invasora no arquipélago dos Açores, devido a características como a sua proliferação e desenvolvimento rápido, ocupando habitats outrora ocupados por espécies endémicas. Devido a estas capacidades é uma espécie dominante nas paisagens naturais das nove ilhas dos Açores, sendo assim necessário o seu controlo. As características das suas fibras são muito interessantes. São compostas maioritariamente por celulose, hemicelulose e lignina. As fibras de conteira têm uma maior concentração de celulose quando comparadas com fibras extraídas do caule como é o caso, por exemplo do linho e cânhamo. Relativamente, à sua resistência térmica, estas fibras mantém as suas propriedades à medida que a temperatura vai aumentando iniciando a sua degradação apenas a partir dos 200ºC. Estas características são apenas alguns exemplos de como estas fibras têm potencial para o desenvolvimento de produtos sustentáveis e biodegradáveis.
O Projeto sustenta o desafio de reinventar uns Açores com riqueza gerada a partir do aproveitamento e transformação de uma espécie invasora, em produtos utilitários, biodegradáveis, para substituição de plásticos de uso descartável.
De acordo com as declarações da equipa IGA à Voz do Campo, “criar biocompósitos substitutos dos plásticos, na configuração diversificada e em tão grande número de artigos de uso diário existentes no mundo moderno, obriga à realização de muitos estudos e ensaios. Assim sendo, nesta fase o projeto centraliza esforços na qualidade e melhoria do composto vs potencialidades de aplicabilidade”. Referir que por serem resíduos vegetais desaproveitados e de crescimento descontrolado, há ainda que definir regras e esclarecer políticas de domínio que também estão na ordem dos trabalhos.

Os novos materiais que a equipa de investigadores estão a desenvolver a partir da conteira têm várias potenciais aplicações, dependendo de como são aproveitadas as diferentes partes anatómicas da planta. Por exemplo, “as fibras do caule já demonstraram possuir características mecânicas capazes de competir com outras fibras naturais como o sisal, ou mesmo com as tradicionais fibras de vidro. Neste caso, a utilização mais óbvia é servirem de reforço em materiais compósitos avançados”. Mas também há lugar para aplicações menos tecnológicas, como têxteis e embalagens. Neste último setor já se desenvolveram vários protótipos, completamente ecológicos, com a flexibilidade e resistência necessárias às embalagens, tão ou mais eficientes que as de plástico, mas ao mesmo tempo tão diferenciadas que até protegem o ambiente, garantindo a sustentabilidade das gerações futuras.
Os produtos terão um tempo de vida útil, compatível com a satisfação e utilidade a que se destinam, respetivamente. No entretanto, após utilização, começam a ceder numa deterioração entre 45 a 90 dias colocados na terra, ou encurtam o prazo para 30 dias se colocados em água até à decomposição total.
No final do ciclo de vida, servem de fertilizante como adubo natural, criando mais nutrientes para a terra, numa clara dimensão de economia circular.
Ao envolver-se neste projeto de investigação referente à conteira, a Cooperativa União Agrícola sabia do seu potencial, e continua a acreditar que o resultado final será bom para toda a sociedade, nomeadamente, para os agricultores que são prejudicados com a proliferação de conteiras. “Aguardamos que o produto final vá ao encontro das necessidades do consumidor moderno, que cada vez mais entende que o ambiente deve ser uma preocupação de todos. Este projeto de investigação ainda está a decorrer, e após o seu términus a produção e comercialização do produto final deve ser uma realidade”, conclui a equipa do Innovation Green Azores.