Quando no passado dia 17 de março, escrevi uma crónica sobre as cheias que iam acontecer na bacia do Tejo por causa das chuvas fortes que estavam previstas, ainda tinha esperança de que alguém ouvisse os argumentos de um agricultor que tenta falar por tantos outros que nunca são escutados e que por isso pensam que estão sempre condenados a lidar com as fatalidades da profissão, como se fosse esse o seu destino e não houvesse nada a fazer.
O meu pai, que morreu há 32 anos, ensinou-me muita coisa sobre esta vida. Dizia ele, com o seu conhecimento de muitas situações difíceis de gerir neste ofício, que temos de lidar com o clima, visto que é uma indústria a céu aberto. Dizia ele, “Filho, não te preocupes com o clima. Nós não mandamos nele. Preocupa-te antes em preparar tudo para que o estrago seja o menor possível.” Hoje chamam-lhe “mitigação” ou “adaptação”, mas no fundo é o que sempre fizemos: tentar sobreviver no meio do que não podemos controlar.
O problema é que esta cheia não foi obra do acaso. Podia ter sido evitada. E é isso que me revolta. Estamos num momento difícil, com a agricultura completamente sufocada pelos custos, uma geração nova que já não quer saber do campo, e um país que, como já diziam os romanos, “não se governa nem se deixa governar”. E, mais uma vez, nada acontece e a culpa morre solteira.
No dia 17 de março, com os dados que qualquer um podia consultar em plataformas online, mostrei que, se nada fosse feito, teríamos uma cheia grave numa altura desastrosa para os agricultores do Vale do Tejo. E aqui estamos. Em plena primavera, com as culturas de inverno a chegar ao fim, já com muitos recursos investidos nos campos, e agora tudo perdido. As culturas de primavera/verão, que já estavam atrasadas por causa da chuva persistente, vão arrastar-se ainda mais. E esse atraso não é apenas de dias; pode significar colheitas inteiras fora do tempo, que levam a menor produção, custos mais altos e produtos de pior qualidade, que depois se vendem ao desbarato, tudo o que o sector não precisava neste momento.
Com os cálculos que apresentei sobre a necessidade de escoar a água, e que ninguém ainda me provou que estivessem errados, mostrei que era possível evitar isto sem prejudicar as empresas concessionárias de energia elétrica que operam nas barragens da nossa bacia hidrográfica. Sei que elas fazem o seu trabalho, dentro das regras que lhes foram dadas, e aceito isso. Mas o que não aceito é que o modelo de gestão da bacia hidrográfica continue a ignorar os agricultores e a população local, como se os danos fossem só um azar e não um problema que poderia ser resolvido.
Na Golegã e em Santarém, milhares de pessoas foram impactadas no seu dia-a-dia e obrigadas a desvios enormes para chegar ao trabalho ou levar os filhos à escola. O comércio local, já em dificuldades, perdeu clientes e vendas. Quem responde por isso?
Penso que todos gostávamos que houvesse um esclarecimento por parte dos nossos gestores da bacia hidrográfica, como cidadãos de uma sociedade livre moderna e transparente: qual a razão de não se ter querido evitar esta cheia?
Proponho que façamos em conjunto, o exercício de em tempo útil termos respostas que nos tranquilizem e nos mostrem que podemos estar descansados para que, se porventura, as previsões se enganassem, e em vez de chover o que choveu, tivesse chovido o dobro, como seria a situação? O que teria acontecido na bacia? Teríamos atuado preventivamente? Teríamos utilizado as reservas nas barragens para gerir e prevenir uma catástrofe?
Neste sentido, e como agricultor e cidadão preocupado, deixo aqui algumas perguntas que gostava de ver respondidas:
- Porque é que não foi feita a gestão da água a tempo, quando já se sabia que vinham chuvas fortes?
- Há leis que impedem as barragens de deixar uma margem de segurança para estas situações?
- Faltam técnicos qualificados na APA para prevenir estas situações?
- Os sensores de medição estão avariados e ninguém os arranja?
- Espanha não está a cumprir os acordos que tem connosco?
- As previsões meteorológicas são tão incertas que não permitem gerir melhor a água?
- Há medo de que deixe de chover nos próximos anos e que Lisboa fique sem água?
- As ONGs ambientais querem um rio “selvagem” a todo o custo?
- Foi uma descarga propositada para “simular” o comportamento natural do rio?
- A Proteção Civil é chamada a envolver-se na prevenção destes fenómenos ou é apenas chamada para lidar com as consequências?
- Os responsáveis da bacia hidrográfica não têm noção dos prejuízos brutais que esta situação está a causar à economia da região?
- Os autarcas e as CCDRs não estão sensíveis para este problema e não veem que poderiam ser eles a intermediar as várias partes implicadas e encontrar soluções?
Não quero criar polémicas por criar. Quero apenas respostas. Quero saber que o que aconteceu agora não voltará a acontecer daqui a um ou dois anos. Quero que modernizem a gestão da bacia hidrográfica e que nos deem voz.
A quem puder ajudar, faço um apelo: usem o que estiver ao vosso alcance para evitar que os agricultores não sejam, mais uma vez, esquecidos.
Azinhaga, 25 de março de 2025
João Coimbra
Fica aqui também em vídeo esta crónica, com imagens do estado actual dos nossos campos:
O artigo foi publicado originalmente em Milho Amarelo.