Sabemo-las frágeis, condenadas a uma vida demasiado breve, mas não resistimos a oferecê-las. Ou a levá-las para casa. Desse fascínio resulta um negócio de milhões a que se coloca também o desafio da sustentabilidade.
Mrs. Dalloway disse que ia ela própria comprar as flores.” Animada pela decisão, mergulhou na manhã primaveril de Londres, em busca do que tornaria ainda mais perfeita a receção dessa noite, em sua casa. Assim começa um dos romances mais importantes do século XX, Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, ela própria uma apaixonada por flores. Mas vivesse a escritora (e a sua heroína) nos nossos dias (e não na década de 1920, em que decorre a ação do livro) o que poderia ela encontrar nas floristas do West End? Decerto uma oferta muito mais variada do que as rosas, os lírios e os narcisos nativos das ilhas britânicas a que teria acesso nessa época em que as distâncias eram, na verdade, bem mais difíceis de vencer.
O comércio internacional de flores e plantas ornamentais movimenta anualmente milhares de milhões de euros e gera milhares de empregos um pouco por todo o mundo, em fases tão diversas como o cultivo ou a distribuição. Tradicionalmente, o setor é liderado pela Holanda que, através da Royal FloraHolland (cooperativa que reúne centenas de produtores e comerciantes), assegura ainda cerca de 40% do mercado, o que transforma a cidade em que está sediada – Aalsmeer, a menos de 15 quilómetros de Amesterdão – na Wall Street das flores e no terceiro maior terminal de mercadorias da Holanda, imediatamente após Roterdão e o aeroporto de Schiphol. Ali podem ser encontradas cerca de 20 mil variedades de flores, das quais mais de 200 tipos de rosas, avaliadas, só por si, em 760 milhões de euros (segundo dados de 2018). Seguem-se, pela ordem de importância dos valores, os crisântemos (267 milhões de euros) e as inevitáveis tulipas holandesas (223 milhões).

Mas neste “jogo” surgem também novos players, cada um com os seus trunfos. Graças ao desenvolvimento de tecnologias que melhoram cada vez mais a qualidade do transporte (questão decisiva para algo tão delicado e frágil como uma flor de corte, mas também para as plantas ornamentais), vários países da África subsariana desempenham um papel de crescente importância nesta área.
O mesmo acontece, no continente americano, com Equador, México ou Colômbia, grandes fornecedores dos Estados Unidos. No primeiro semestre de 2019, a Colômbia exportou para todo o mundo qualquer coisa como 785 milhões de euros, o que corresponde, segundo a Associação Colombiana de Exportadores de Flores, a perto de 130 mil toneladas. O Quénia, por sua vez, inunda de rosas a Europa do Norte (Holanda e Reino Unido sobretudo) que não precisam de tanto dispêndio de energia nas suas estufas já que dispõem, ao longo de todo o ano, de maior número de horas de sol. O próprio Brasil tem vindo a afirmar-se nesta área. Em 2019 permitiu criar 209 mil novos postos de trabalho, consolidando uma expansão notória desde 2015. Com 15 600 hectares de cultivo dedicados à floricultura, o maior país da América do Sul posicionava-se já como o oitavo maior produtor mundial.
O lado sombrio deste comércio é, no entanto, a excessiva dependência de uma mão-de-obra infinitamente mais barata do que na Europa. Por outro lado, a fatura ambiental menos pesada durante a produção é facilmente anulada no transporte já que as flores de corte, para se manterem frescas, têm de ser transportadas de avião e em condições de refrigeração muito específicas. As plantas ornamentais, por sua vez, também precisam de longas horas de camião. E de muitos litros de gasóleo.
Neste contexto, Portugal tem também um papel interessante a desempenhar. Eduardo Martins, membro da direção da Associação Portuguesa de Produtores de Plantas e Flores Naturais e sócio da Monterosa Viveiros, não hesita em considerar que, nesta matéria, “temos excelentes condições e um enorme potencial”. Os números corroboram esta perceção. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, em 2018, o setor das plantas e flores gerou uma receita de cerca de 600 milhões de euros, o que corresponde a 7,6% da produção agrícola nacional, com uma taxa de crescimento médio anual de 6,3% do valor da produção. As exportações têm acompanhado esta evolução. A sua taxa de crescimento médio anual é de 10% e confirma o reconhecimento internacional da produção portuguesa. Em 2018 o valor das exportações nesta área era da ordem dos 73 milhões de euros. Um ano depois, elas já chegavam aos 89 milhões. De resto, em 2012, no auge da crise económica, os dados apurados pelo Instituto Nacional de Estatística já indicavam que a floricultura era o setor agrícola que mais mão-de-obra empregava, a maior parte dela permanente.

Mas quando fala de grande potencial Eduardo Martins deixa no ar a consciência de que muito está ainda por fazer e de que falta, enfim, dar o passo em frente. “Temos ótimas condições e não estou a falar de mão-de-obra barata porque não o deve ser”, sublinha, antes de mais. E acrescenta: “Nesta área, como em muitas outras, precisamos de trabalhar em conjunto, a médio e a longo prazo. Não podemos basear-nos na intuição dos empresários mas em estudos de evolução dos mercados que devem ser feitos pelos departamentos especializados do Estado ou pelas universidades.” A necessidade de mudar a atitude dos produtores nacionais é outro aspeto sublinhado por Eduardo Martins: “Temos ainda alguma dificuldade em circular na Europa do Norte, mais rica, por um lado, e também muito pouca consciência das condições climatéricas de exceção de que desfrutamos. E de nada nos serve termos um produto muito bom se não o conseguirmos comunicar.”
Embora Portugal também seja importador de flores de corte e plantas ornamentais, “o mercado interno continua a ser o maior cliente”. Datas como o São Valentim, dias da Mulher, da Mãe ou de Finados são o Natal dos floristas, mas, mesmo nessas ocasiões sazonais, há espécies que não interessam aos produtores portugueses. São os casos das orquídeas ou dos antúrios. Eduardo Martins explica: “Não nos interessa tentar competir com as fábricas holandesas de flores, todas high tech, cheias de robôs, que produzem flores em quantidades industriais e as põem em todo o lado a preços muito baixos. À partida, esta seria uma batalha perdida. Temos de nos focar em tornar excelente aquilo que conseguimos fazer à nossa escala.” E o que é? Em 2012, ainda segundo dados do INE, as flores portuguesas mais cultivadas eram a prótea, o gladíolo, o crisântemo, a gerbera, a rosa, o lírio, o cravo e a cravina.
Da próxima vez que lhe oferecerem flores, isso não depende da marca do seu desodorizante, mas do trabalho de muitos profissionais envolvidos numa cadeia cada vez mais exigente e sofisticada.
O artigo foi publicado originalmente em DN.