
Depois de culpar as pessoas pelas enormes filas nos serviços públicos e Passos Coelho e o PSD por tudo o resto, inclusive pela bancarrota socialista, António Costa inaugurou uma nova tese para iludir as suas responsabilidades em matéria de Proteção Civil e de Segurança das pessoas: a responsabilidade é dos autarcas. Digo inaugurou, porque já tinha ensaiado esta tática quando, após as tragédias de 2017 alterou uma Lei bastante antiga tentando passar para os autarcas a responsabilidade de limpar o que os proprietários não limpam (entre eles está o próprio Governo).
Importa desde já lembrar que, segundo a nossa Constituição e a própria Lei de Bases da Proteção Civil, o Primeiro-Ministro é o primeiro e máximo responsável pela segurança dos portugueses. António Costa ainda mais porque foi o Ministro da Administração Interna que implementou o sistema de proteção civil em vigor.
Os grandes incêndios só serão evitados com uma grande reforma do território, mas até lá o que importa saber é se, quer na mudança do território quer nas alterações ao combate aos fogos, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para reduzir o risco.
É verdade que os autarcas têm a sua responsabilidade na Proteção Civil local e também é verdade que nem todos cumprem o seu papel nem fazem tudo o que está ao seu alcance para impedir ou para minimizar os efeitos dos incêndios.
Curiosamente, o Primeiro-Ministro escolheu mal a altura para “culpar os autarcas” quando os dois concelhos que mais arderam em 2017 (Mação, com 37 mil hectares) e em 2018 (Monchique, com 27 mil hectares) foram precisamente os dois locais que o Primeiro-Ministro usou como bons exemplos. A 21 de março de 2016 celebrou o Dia da Floresta em Mação para assinalar o exemplo do trabalho da autarquia no “ordenamento florestal e na proteção civil” e a 11 junho de 2018 foi a Monchique salientar “o trabalho extraordinário” que o município tinha feito em conjunto com os proprietários para a prevenção de incêndios. Este ano, o local escolhido para semelhante celebração foi no Sardoal onde espero que a tradição/maldição associada a visitas de Costa não se cumpra.
De facto, os autarcas de todo o país assumem as suas responsabilidades todos os dias, assumem os seus fracassos perante as suas populações que enfrentam diariamente e muitos já assumiram que também falharam. Mas a pergunta que se coloca neste momento é muito simples: e o Senhor Primeiro-Ministro, quando assume finalmente as suas responsabilidades?
Ou será que os autarcas são responsáveis por/pela:
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O Governo se atrasar na contratação de meios aéreos nos últimos três anos?
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Estarmos na fase mais crítica dos fogos e o dispositivo estar ainda incompleto, com pelos menos 6 helicópteros parados por falta de licença para voarem (um deles era suposto estar pré-posicionado a 10 km de onde se iniciou o fogo de Vila de Rei que ainda decorre)?
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Pela escolha de certos Comandantes Operacionais sem qualquer experiência para o cargo e cujo único certificado que têm é o cartão de militante do Partido Socialista?
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Em 2017, terem sido trocados a maioria dos comandantes operacionais da Proteção Civil em cima da época de fogos?
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Por o Governo já ter trocado 4 vezes de Comandante Operacional Nacional da ANPC nos últimos três anos?
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Em 2017 a ANPC ter retirado do terreno os CADIS – “Comandantes Regionais”?
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Em 2017, o Governo ter recusado antecipar e depois recusado prolongar o período de contratação de meios aéreos face às já esperadas condições climatéricas que mudaram o verão?
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Pelas falhas do SIRESP que o atual Primeiro-Ministro contratou quando era Ministro da Administração Interna e que voltou a falhar ontem em Mação?
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O Governo ter desviado o dinheiro do Fundo Ambiental e os fundos do PT2020 destinados ao combate às alterações climáticas para comprar autocarros novos para Lisboa e para o Porto em vez de investir na resiliência e ordenamento da floresta cujos incêndios são a ameaça mais imediata que deriva do clima?
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Estarmos em julho de 2019 e o Governo ainda dever aos bombeiros os pagamentos relativos a outubro de 2018?
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A maior reforma “desde o tempo de D. Dinis” não ter, praticamente, saído ainda do papel?
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Por os projetos-piloto de reordenamento florestal terem sido um fracasso porque o Governo não escolheu os territórios mais adequados para o fazer?
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Quase nada ter mudado na atuação da Autoridade Nacional de Proteção Civil desde as tragédias de 2017?
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Falta de elementos da GNR nos territórios do interior?
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Por os GIPS da GNR não terem sequer elementos para rendição?
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Os elementos dos GIP da GNR terem ido para o terreno em 2018 sem equipamento adequado, sem veículos em condições, entre outros?
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O PDR2020 aprovar projetos e depois não ter dinheiro para os financiar?
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Não haver qualquer formação desde 2017 para os comandos dos bombeiros?
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O Ministro da Administração Interna ser um incompetente e que mente sempre que vai ao Parlamento falar de Proteção Civil?
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O Governo estar refém da Geringonça e não ter concretizado o que pensam Miguel Freitas ou Capoulas Santos em matéria de floresta?
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O ICNF estar sem recursos humanos e sem dinheiro para cumprir a sua missão?
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A Diretiva Operacional Nacional de Meios ter sido apenas aprovada em plena época de fogos?
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A ANPC demorar meses e até anos a aprovar os Planos de Municipais de Emergência de Proteção Civil?
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Termos um Primeiro-Ministro que não fez uma única reforma estrutural no pais?
Esta lista poderia ser muito maior para ilustrar a desfaçatez e a injustiça do Primeiro-Ministro. Perante tudo isto, retomo a pergunta inicial: os autarcas assumiram as suas responsabilidades. E o senhor Primeiro-Ministro, quando vai assumir as suas e pedir desculpa aos portugueses?