Em mais uma semana marcada pelos efeitos do “furacão Trump”, seja na imposição de tarifas contra tudo e todos, nas negociações de paz para a Ucrânia – atribuindo à União Europeia um papel secundário – ou na resolução do conflito em Gaza, agravaram-se as tensões e a incerteza no panorama geopolítico mundial, qual jogo de xadrez em que tentamos adivinhar a jogada seguinte.
Pela positiva, é de destacar a reunião da IACA com a DGAV em que abordámos vários temas de atualidade, entre outros, o papel da IACA Solidária, o QUALIACA, as Novas Técnicas Genómicas (NTG) e a Desflorestação, no âmbito do EUDR.
Sobre as NTG, existe, neste momento, uma proposta de compromisso da presidência polaca, com quem estivemos reunidos na semana passada, que poderá ser bem aceite pela maioria dos Estados-membros – Portugal tem uma posição favorável -, ultrapassando-se o insucesso das anteriores presidências (Espanha, Bélgica e Hungria), com a tão desejada maioria qualificada. Deste modo, poderão iniciar-se em breve as discussões do Trílogo, em que as maiores dificuldades poderão estar do lado do Parlamento Europeu.
No dossier EUDR, relativo às cadeias-livres de desflorestação, ao contrário de outros países, em que a gestão é claramente do Ambiente, Portugal definiu (e bem) uma competência partilhada, da DGAV, para os produtos alimentares (soja, palma, café, cacau, bovinos) e do ICNF, para a madeira e borracha. É de aplaudir a cooperação e apoio destas duas entidades para com a IACA. O objetivo é o de conseguirmos, em conjunto, implementar a legislação dentro dos prazos previstos. Não é admissível, na conjuntura atual, qualquer adiamento para além dos 12 meses já considerados, mas continuamos a trabalhar para a simplificação do Regulamento, no âmbito do Omnibus.
De resto, esta semana tivemos a comunicação da Comissão de que as regras em matéria de sustentabilidade (relatórios, taxonomia) e de investimento irão ser simplificadas, estando disponíveis mais de 6 mil milhões de € em apoio administrativo. Este é o caminho certo, em nome da competitividade e do desenvolvimento sustentável das empresas europeias.
Apesar destes sinais animadores, agravam-se as preocupações com os impactos das tarifas.
No caso dos aditivos, essenciais para a alimentação animal, a dependência europeia é brutal, sobretudo da China, e temos neste momento direitos antidumping às importações de lisina daquela origem, o que já conduziu a uma duplicação de preços, receando-se que o mesmo venha a acontecer noutros aminoácidos e vitaminas.
É urgente a reindustrialização e o aumento da capacidade de produção na Europa, a tal Autonomia Estratégica que defendemos, mas no curto prazo, é necessário bom senso e medidas que não sejam desproporcionadas. Sobretudo que não comprometam o futuro da atividade pecuária e tudo o que ela envolve, neste caso as produções suinícolas ou avícolas e a sua capacidade concorrencial, seja internamente ou no mercado global, mercado no qual as exportações são essenciais, competindo com o Brasil ou os EUA.
Infelizmente, na sequência das decisões tarifárias sobre os automóveis e sobre a lisina, a China ameaça agora a imposição de tarifas às importações europeias de carne de suíno. Todos sabemos o que isso poderá significar.
A Alimentação não pode ser utilizada como moeda de troca.
O acordo da União Europeia com a Ucrânia (ATM), que termina no próximo dia 5 de junho, também é motivo de indefinição, porque não sabemos como irá funcionar. Portugal importou em 2024 cerca de 45% do milho, daquela que continuará a ser uma origem muito significativa. No entanto, a maior incerteza neste momento prende-se com as anunciadas tarifas dos EUA em 25% sobre os produtos europeus. Caso se verifiquem, a União Europeia não deixará de retaliar e se nos lembrarmos do passado, será o milho um dos principais alvos, tal como alguns coprodutos. E veremos, ainda, o que acontecerá com a soja. Na anterior Administração Trump, a soja foi objeto de um memorando assinado com o então Presidente Junker. Como será com a atual Presidente da Comissão Europeia?
Tendo em conta as reduzidas capacidades de oferta de outras proveniências, a União Europeia necessitará de importar cerca de 2 milhões de tons de milho dos EUA até agosto, para cobrir as necessidades até à nova colheita da América do Sul, pelo que, a confirmarem-se as tarifas e eventuais retaliações, teremos uma enorme pressão no mercado e tendências inflacionistas ao longo de toda a cadeia alimentar.
Precisamos de mais comércio e não de entraves ou barreiras comerciais. De mais multilateralismo e não de protecionismo. Provavelmente, neste novo quadro de relacionamento com os Estados Unidos, a União Europeia e a NATO enfrentam o maior desafio dos últimos 50 anos. Que, para além da defesa, também é um problema de segurança e soberania alimentar. Acreditamos que as instituições europeias, os Estados-membros e os Aliados, saberão responder e estar à altura, com as respostas adequadas.
Para já, vivemos em estado de alerta!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Uma Visão demasiado ambiciosa? – Jaime Piçarra – Notas da semana