O primeiro-ministro Luís Montenegro apresentou a Estratégia Nacional de Gestão de Água – “Água que Une” –, que pretende aumentar a eficiência hídrica e promover do uso racional da água em território nacional ao longo dos próximos 15 anos.
Entre as medidas propostas, o Governo visa construir mais barragens, promover a utilização de água residual tratada e otimizar a exploração das infraestruturas existentes.
Numa primeira fase, o plano, que conta com quase 300 medidas, vai custar cinco mil milhões de euros até 2030.
Segundo o documento, o financiamento disponível até 2030 fixa-se nos dois mil milhões de euros, que são provenientes do PT 2030, PRR, Fundo Ambiental, PEPAC, entre outros, com o Governo a adiantar que as fontes de financiamento adicionais advêm de empréstimo, por parte do Banco Europeu de Investimento (BEI), do Grupo Águas de Portugal (AdP) e de investimento privado.
“Este é o projeto da água no desenvolvimento do país”, afirmou Luís Montenegro na apresentação do plano, em Coimbra, sublinhando que Portugal tem uma disponibilidade do recurso da qual só usa “10% para todas as utilizações, inclusive para a agricultura, que usa 73% da água utilizada”, ou seja, 7,3% da totalidade do recurso disponível.
No que toca ao investimento, o primeiro-ministro enfatiza que há instrumentos financeiros disponíveis “que queremos aproveitar”, mas avança ser necessário ir “à procura de outros, para preencher a parte [de financiamento] que ainda não está assegurada”.
O responsável político alertou também para a necessidade de se começar a preparar o financiamento para a década 2030-2040, “para que a estratégia tenha sequência”, pois, “queremos que, para as próximas décadas, o país tenha capacidade para lutar contra os efeitos negativos das alterações climáticas”.
E continua: “mas que também possa aproveitar os seus recursos naturais exponenciando a sua capacidade produtiva na indústria, agricultura, turismo, de dar mais bem-estar às pessoas, através de uma melhor utilização e reutilização da água e de mais eficiência, que significa a diminuição das perdas e a melhor utilização do recurso”.
Luís Montenegro assegurou ainda que há oportunidades económicas para os territórios que estão dependentes de uma charca, de um açude, de uma ligação que viabiliza um perímetro de rega e que faz diferença naquele território, e a Estratégia “junta grandes e pequenos projetos e do norte ao sul”, sublinhando que “os investimentos serão feitos para que onde há cheias haja menos cheias e onde há seca haja menos seca”.
A apresentação do plano de ação decorreu em conjunto com a Ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, e com o Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes.
Para Maria da Graça Carvalho “a água é um recurso único, vital, estratégico. Não existe a água das cidades, da agricultura, da indústria ou dos ecossistemas – existe apenas uma água”, salientando que este plano pretende “abrir um novo ciclo na gestão dos recursos hídricos em Portugal. Pelas pessoas, pelo ambiente”.
Já o Ministro do Agricultura e Pescas, acredita que esta estratégia “responde de forma concreta aos desafios da gestão da água”. Para o responsável pela pasta da agricultura, “através do armazenamento, gestão eficiente da água e redes interligadas, esta iniciativa garante a estabilidade dos investimentos já realizados e atrai novos investimentos. Desta forma, teremos um forte contributo para o reforço do rendimento dos agricultores, a renovação geracional, a redução do défice agroalimentar, a segurança alimentar e a nossa defesa”.
A apresentação da estratégia ofereceu um retrato geral do panorama da água em Portugal:
Segundo o Governo, as disponibilidades de água em Portugal continental são superiores às necessidades, “mas há variações significativas”, uma vez que existe “uma grande variabilidade regional, sazonal e interanual do regime hidrológico no país, registando-se situações de escassez sobretudo nas regiões do Alentejo e do Algarve”.
Tendo em conta o cenário RCP (Representative Concentration Pathways), é ainda apontada para uma redução das disponibilidades nacionais em 6% e um aumento dos consumos em 26%, com o Governo a afirmar ser “evidente a assimetria regional da escassez em Portugal”.
“Em algumas regiões de Portugal Continental, observa-se que, atualmente, mais de 50% das disponibilidades estão já a ser solicitadas, projetando-se o agravamento da situação, especialmente a sul do Tejo, lê-se na apresentação do Executivo.
É a partir desta visão que o Governo desenha três eixos de atuação:
– Eficiência: Foco em otimizar as estruturas existentes, poupar água, reduzir perdas nas redes de abastecimento e de rega, reabilitar reservatórios e aproveitar águas residuais tratadas, ou seja, “potenciar o capital físico disponível”.
– Resiliência – Foco em novas soluções e infraestruturas, reforçar o armazenamento, garantir mais segurança no abastecimento às populações e aos setores económicos, restaurar rios e ecossistemas, criar reservas estratégicas de água e interligar sistema. No fundo, o Executivo pretende “robustecer para fazer face aos efeitos das alterações climáticas”.
– Inteligência – Foco na modernização institucional e tecnológica, implementar uma gestão mais integrada dos recursos hídricos, capacitar a administração e apostar na digitalização do ciclo da água, ou seja, “inovar para gerir com maior sustentabilidade ambiental e económica”.
O Governo inúmera ainda as medidas que se propõem a cumprir nas várias regiões do país, apontando os impactos hídricos destas ações, o investimento previsto, possíveis fontes de financiamento e o prazo de execução.
Relativamente à região Norte do país, o Executivo enfatiza que o principal desafio do território passa por contrariar a reduzida capacidade de armazenamento das albufeiras face à variabilidade climática, em particular na região de Trás-os-Montes.
Já na região de Vouga, Mondego e Lis, são apontados como desafio o combater a intrusão salina no Baixo Vouga lagunar; melhorar a regularização e eficiência no Baixo Mondego e reforçar a resiliência na região de Viseu face a eventos de secas.
No que toca ao Tejo, o Governo sublinha como desafios o reforçar as disponibilidades próprias da bacia hidrográfica face à variabilidade climática para aumentar a resiliência económica da região, combate à intrusão salina na foz do rio Tejo e garantir caudais mínimos no troço intermédio.
No Alentejo, é dado destaque ao implementar um novo paradigma na gestão da água face às exigências de adaptação às alterações climáticas e reforço da segurança hídrica.
Por fim, no Algarve, o Executivo deixa a nota que o maior desafio prende-se com o combate à escassez de água e compatibilizar os diversos usos.
Assim, os investimentos estimados para a reabilitação e otimização dos ativos, por região, são os seguintes:
- Região Norte: 448 milhões de euros
•Região do Vouga, Mondego e Lis: 267 milhões de euros
•Região do Tejo e Ribeiras do Oeste: 479 milhões de euros
•Região do Alentejo: 156 milhões de euros
•Região do Algarve: 126 milhões de euros
Conheças algumas das medidas em destaque:
– Programa para a eficiência dos empreendimentos hidroagrícolas:
Esta ação integra diversas medidas de beneficiação e modernização de empreendimentos hidroagrícolas públicos de norte a sul do País e, assim, “alcançar uma gestão centralizada, mais eficiente e resiliente da água”, com o Governo a destacar as seguintes intervenções:
- Modernização do Aproveitamento Hidroagrícola do Vale da Vilariça (2 365 ha) – Impermeabilização e limpeza da Barragem da Freixeda e Rede de Rega, construção de um reservatório de ar comprimido (RAC) para a Estação Elevatória da Barragem do Salgueiro.
- Modernização do Aproveitamento Hidroagrícola do Baixo Mondego – Modernização do Pranto, Arunca, Ega, Foj, V.Ançã, S.Fac.. Reabilitação dos Blocos de São Martinho/ São João e Moinho Almocharife e Canal Condutor Geral.
- Modernização do Aproveitamento Hidroagrícola no concelho de Idanha-a-Nova (8 200 ha) – Pressurização e telegestão.
- Modernização/ reabilitação total do Aproveitamento Hidroagrícola do Mira – Redução de perdas e reabilitação integral do sistema adutor de Santa Clara e dos blocos de rega – Aumento da eficiência hídrica e automação de equipamentos.
- Modernização dos Blocos de Silves (2 e 3) no Aproveitamento Hidroagrícola de Silves, Lagoa e Portimão (1 150 ha) – Pressurização e Telegestão do Sistema Adutor e de Distribuição – Aumento da eficiência.
- Conclusão da Modernização do Aproveitamento Hidroagrícola do Alvor (1 750 ha) – Pressurização e Telegestão do Sistema Adutor e de Distribuição – Aumento da eficiência hídrica e automação de equipamentos.
– Programa Água + Circular:
O Executivo reforça a importância da reutilização de água residual tratada (ApR) para fins não potáveis no caminho para a mitigação da escassez hídrica, “ao servir como uma fonte alternativa de água alinhada com os princípios da economia circular”.
Neste sentido, a abordagem proposta assenta no Plano de Ação para a Reutilização do Grupo AdP, que prevê a produção de 116 hm³ de ApR em 315 ETAR até 2040, num investimento de 137 milhões de euros.
Paralelamente, estão ainda previstas outras iniciativas lideradas por entidades gestoras em baixa e pelo setor privado com um investimento adicional estimado em 12 milhões de euros.
– Programa de reforço do armazenamento de água
O Governo destaca dois tipos de medidas nesta ação, que visam aumentar as reservas de água:
- Alteamento e aumento da capacidade de barragens existentes, que permitirão aumentar em 47 hm3 as disponibilidades de água para usos consumptivos e que representam um investimento de 240 milhões de euros (Barragens da Vigia, Marechal Carmona, Meimoa, Pedrógão, Pinhão, Vila Chã, Sambade, Valtorno, Lucefecit, Alvito, Lapão, Odelouca).
- Estudo/construção de novas barragens, cujo objetivo é reforçar em 508 hm3 as disponibilidades de água para usos consumptivos, e que representam um investimento de 1.183 milhões de euros (Barragens de Fagilde, Alvito no Ocreza, Alportel, Terges e Cobres, Carreiras; Foupana, Girabolhos, Laça, Fargela, Santulhão, Boavista, Cerejal, Maceiras, Veiga).
– Programa para a resiliência hídrica do Tejo
Segundo o Executivo, a região “é de grande importância para a economia portuguesa, combinando agricultura produtiva, indústria diversificada e um setor turístico em crescimento”. Neste âmbito, e devido à segurança hídrica da região enfrentar desafios devido à dependência das afluências provenientes de Espanha e aos impactos das alterações climáticas, são delineadas as seguintes ações:
▪ Estudo para a construção da barragem do Alvito (Ocreza) e a otimização da exploração da barragem do Cabril, assim como, a construção de sistemas reversíveis entre as barragens de Fratel, Pracana e Alvito;
▪ Programa EPAL 2040, de que se destaca o reforço da captação de Valada e a disponibilização de infraestruturas de adução para reforço do abastecimento ao regadio na margem direita do Tejo e na região do Oeste;
▪ Plano de Ação para a Reutilização do Grupo AdP, com capacidade de disponibilização de 46hm3 /ano de água residual tratada.
▪ O Projeto de Valorização dos Recursos Hídricos para a Agricultura no Vale do Tejo e Oeste, que pretende beneficiar e modernizar o regadio existente – 43 760 ha – integrando 24 345 ha de regadios privados já existentes.
▪ Constituição do Empreendimento de Fins Múltiplos para o Médio Tejo.
O Governo pretende ainda apostar no programa de reabilitação e no restauro de rios e ribeiras, assim como visa se focar no plano de ação para a digitalização integral do ciclo da água, apostando na inovação e na Inteligência Artificial (IA).
Neste âmbito, o Executivo explica que programa ambiciona reforçar as tecnologias e metodologias que permitem medir e conhecer, a cada momento, o estado das massas de água superficiais e subterrâneas, bem como considerar todos os fluxos associados ao seu consumo e estado qualitativo, permitindo “uma gestão mais racional, eficiente e inteligente, em função das necessidades atuais e futuras”.
Além disso, este plano “preconiza um salto tecnológico e organizacional para resolver problemas que se vêm perpetuando e acumulando, como sejam as grandes perdas nas redes de abastecimento, os consumos que não são medidos, a incipiente monitorização do estado dos aquíferos, as ameaças à qualidade das massas de água, as assimetrias económico-financeiras, o déficit de articulação entre entidades”.
O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.