
Verde mais verde não há – nem nunca houve. Este poderia ser um dos jingles das eleições legislativas. O crescimento do PAN nas Europeias fez os restantes partidos com assento parlamentar despertar (ou correr atrás, conforme se queira entender) para os dilemas ambientais. Numa tentativa de capitalizar (e usurpar) eleitorado, os programas políticos foram polvilhados e costurados com várias ideias para a “descarbonização da economia”. Promessas há muitas, mas poucas são as medidas concretas e com contas (ou consequências) em anexo.
Os programas eleitorais são, por natureza, um campeonato do genérico. A promoção do transporte público, por exemplo, faz parte da agenda de todos os partidos. Todavia, nenhum avança custos ou prazos para a concretização da medida. “A aposta deve ser na ferrovia, ou noutros modos de transporte público alimentados por fontes de energia renováveis que se desloquem em vias dedicadas.” Esta intenção do PSD, declarada desta forma, tem gémeos (mais ou menos verdadeiros) nos programas políticos dos restantes partidos.
Meter, todavia, todos os partidos no mesmo saco, quando falamos de ambiente, será um erro; não é à toa que o PAN tem mobilizado cada vez mais eleitores – a sondagem mais auspiciosa aponta a eleição de seis deputados, note-se. O programa do partido de André Silva, que conta com 1.196 medidas, é um caso de micropolítica contemporânea. Piscando o olho ao que se passa com o aeroporto do Montijo, o PAN defende a suspensão da construção “até que seja assegurada a elaboração da Avaliação Ambiental Estratégica”; além disso, apoia, no futuro, a “exclusão de considerações de cariz económico das Avaliações de Impacto Ambiental”.
Subscrevendo as intenções do PS, mas acelerando o calendário, o PAN defende também o encerramento das centrais a carvão até 2023. (O PS traça a mesma meta, mas em 2030; fala também na possibilidade de as centrais poderem ser “reconvertidas”. Em quê? Não diz.) No sentido oposto, o PAN traça uma linha vermelha que não agradará a socialistas (caso venham a precisar do apoio parlamentar do PAN): “não autorizar a exploração de petróleo”. Atento a um público mais urbano – onde está maioritariamente o seu eleitorado –, o Pessoas, Animais e Natureza promete “deduções em sede de IRS para quem compra biológico” (os valores em causa não são revelados) e “benefícios fiscais para empresas que previnam o desperdício alimentar”.
Há, são evidentes, linhas convergência no programa do PAN com o do PS – apesar de as ideias socialistas serem, na maioria, um caderno de intenções. À imagem do partido de André Silva, os socialistas também pretendem “adotar um Plano Ferroviário Nacional, que oriente as opções de investimento no longo prazo, com o objetivo de levar a ferrovia a todas as capitais de distrito.” Esta mesma ideia foi, ainda no último fim de semana, defendida por André Silva. Quanto custará o PS não diz, nem traça um calendário. (No sábado, André Silva disse que seriam necessários 100 milhões de euros e que seria possível aplicar esta medida até 2035. Os cálculos por detrás destes números não são públicos.)
O PS declara a intenção de “aumentar a resiliência dos sistemas de abastecimento público de água” e avança com uma medida em particular a pensar na esfera doméstica: lançar um programa de abate de eletrodomésticos e outros equipamentos eletrónicos com classificação energética igual ou inferior a B. Custos da medida? Desconhecidos.
BE quer nova travessia ferroviária no Tejo (que Costa já rejeitou)
O programa do BE, que usa o mote “Não há planeta B”, é aquele onde se encontram mais semelhanças com o do PAN, apesar de não ser tão exaustivo. O caderno de encargos do partido de Catarina Martins chega a concretizar algumas medidas – mesmo que fiquem a faltar contas. Os bloquistas defendem os “centros das grandes cidades sem carros e com transportes públicos gratuitos”; criar uma Inspeção-Geral das Emissões Industriais, responsável pela análise regular das principais unidades do país; diminuir a fragmentação dos cursos de água removendo barragens e açudes (os custos de compensação às companhias elétricas, porém, não são discriminados).
Para o Bloco (como para o PAN), o futuro deverá passar pela criação da rede nacional de hortas urbanas e a “abolição do plástico de uso único e redução de embalagens de bebidas”.
A grande questiúncula no programa do BE, caso venha a fazer parte de um futuro Governo do PS, estará na ideia (que não encontrou eco no Governo) de construir uma nova travessia ferroviária no Tejo. (No âmbito do grupo de trabalho sobre o Programa Nacional de Investimentos 2030, o grupo parlamentar socialista apresentou mais de 100 projetos, entre os quais consta a nova ponte em Lisboa no eixo Chelas-Barreiro, foi notícia em julho.) No debate televisivo com Rui Rio, há três semanas, Costa atirou esta ideia para debaixo da ponte, negou que estivesse a ser estudada.
PSD descentraliza a descarbonização
Nem o partido de Rui Rio, que André Silva acusou de ter ideias ambientalistas “do século passado”, escapou à febre verde. O PSD fez, inclusive, do ambiente um dos quatro eixos do seu programa. As medidas avançadas, porém, são vagas – ao ponto de uma das alíneas ser a prosaica “promoção das energias renováveis”. Os sociais democratas defendem a “imposição de rácios de arborização urbana” (como e em que valores não revelam) e o “agravamento progressivo das taxas sobre os produtos de plástico”. Esta última medida permitiria ao Estado ganhar quanto? Não sabemos.
Porventura a medida mais singular proposta pelo PSD passa pela “criação dos Planos Municipais para a descarbonização”, ou seja, uma descentralização do Estado desta responsabilidade.
CDS e CDU, conservadores de extremos opostos
Ao nível ambiental, CDS e a CDU, partidos que vivem em extremos opostos do Parlamento, parecem estar em sintonia. Os dois são comedidos e pouco explícitos nas iniciativas ambientais que avançam.
A maioria das ideias do CDS para o ambiente passam por iniciativas legislativas. Assunção Cristas defende a criação de uma “Lei do Clima, com objetivos e medidas concretas de implementação e monitorização dos impactos e das medidas de mitigação, que enquadre as políticas públicas para a neutralidade carbónica”; a definição que os planos de investimento público devem prever de forma quantificada o impacto ambiental.
A CDU – apesar de englobar os Verdes – mostra-se cética. Defende uma aposta na “Utilização Racional da Energia e no aumento de eficiência energética e a promoção de alternativas energéticas de domínio público”. O uso do adjetivo “racional” é de reter. O PCP faz uso dele em mais do que uma circunstância, quando fala de ambiente. “Uma política de resíduos que privilegie a sua redução e promova a reciclagem e reutilização, adotando soluções públicas, racionais e integradas de tratamento dos resíduos, com base nos interesses das populações e na avaliação dos impactos ambientais”, por exemplo. O racional do PCP é a estabilidade, o contrário de qualquer mudança drástica.