Vai ser apresentada a nova estratégia “+Cereais”, Lisboa, 9 de abril próximo e segundo os “mentideros” do Ministério da Agricultura e Pescas este documento parece ser a atualização da infrutífera e malograda “Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais” (ENPPC), datada de 2018, a qual, uma vez mais, foi coordenada pelo Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) e com responsabilidade ao mais alto nível pela sua subdiretora-geral, Susana Barradas.
Segundo quem conhece e domina este dossier diz-me tratar-se de uma ação concertada das associações ligadas aos cereais para de forma artificial, colocar e manter na agenda política os apoios financeiros públicos para os cereais e para a organização interprofissional desta fileira, agora que se está em pré-campanha eleitoral, época em que o poder político está mais sensível a reivindicações, “A organização deste seminário sublinha que «a Comissão Europeia, no âmbito das recomendações para o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum de Portugal (PEPAC PT) identificou, com especial preocupação, o baixo grau de auto-aprovisionamento de cereais de Portugal, referindo inclusivamente que pode provocar uma quebra no nosso abastecimento agro-alimentar»…”. Será possível que a Comissão Europeia esteja inquieta com Portugal e não tenha o mesmo nível de alarme com os Países Baixos, país com o mesmo grau de produção cerealífera nacional que o nosso? Será que este país desenvolvido já vai na versão 2.0 para a sua Estratégia Nacional de Promoção da Produção de Cereais?
O que deveria ser preocupação nacional é não haver um plano para se atuar sobre as causas da rutura no abastecimento internacional a Portugal de cereais e proteaginosas, ao nível da logística e sobrecustos, o cais é curto e não há silos com a capacidade necessária e suficiente no porto marítimo de Lisboa, a armazenagem é escassa o que gera taxa de rotação de 11 vezes, nos portos internacionais e em Espanha a taxa máxima é de 5 vezes, os importadores, naturalmente, os consumidores nacionais, pagam anualmente taxas de atrasos na descarga dos navios da ordem dos 14 M€. É necessário afundar o porto de Aveiro para receber navios de grande capacidade, aumentar a sua capacidade de armazenamento, deste modo, baixa o custo do transporte. Deve ser estudado o quantitativo da reserva estratégica nacional e a quota parte da reserva europeia, daí decorrente, o prazo temporal mínimo.
É confrangedor assistir a esta inação dos poderes políticos, dados os «crescentes desafios que se colocam ao nosso país, num ambiente geopolítico de grande instabilidade», não se tendo acautelado o interesse nacional, construindo ou lançando o concurso para as obras indicadas acima no texto, mesmo que para tal tenha de se recorrer aos fundos financeiros do orçamento do Estado Português, visto que, muitas dessas matérias primas têm origem fora da União Europeia (UE).
Tenho-me batido contra o lóbi dos cereais, porque quer ter acesso a dinheiro público para apoiar esta fileira, direta e indiretamente, não tendo em conta o superior interesse público, pois Portugal tem tão fracas condições para a produção de cereais, solos, climas, estrutura fundiária, falta de água, etc. não conseguindo atingir produtividades minimamente sustentáveis que tirem partido das ajudas financeiras ligadas à produção, ou não tendo dimensão nas explorações para amortizar os custos fixos, ou não tendo a água necessária, etc. deste modo, não motivando os produtores de cereais a continuarem com a atividade, esta vai diminuindo de dimensão à medida que o tempo passa. A alternativa fazer da produção de cereais em regadio, mas mesmo neste caso, os agricultores de forma natural, mesmo no próprio Alentejo onde há tradição nesta atividade, devido à margem bruta desta atividade ser baixa e marginal, mesmo com produtividades mais elevadas, preferem as culturas e atividades alternativas de regadio que geram maiores e mais interessantes margens brutas (e.g. olival e amendoal, etc.).
Defendo que o GPP deve elaborar com caráter de urgência, uma Estratégia Nacional para a Promoção da Produção das Hortofrutícolas, porque o dinheiro público colocado nesta fileira vai gerar maior valor acrescentado que na dos cereais, ao mesmo tempo, promove as exportações pela qualidade dos frutos e hortícolas nacionais, reconhecida no mercado internacional e deste modo, pode-se usar o excedente financeiro gerado para comprar cereais no mercado mundial, muito mais baratos para igual qualidade, se produzidos internamente, tal como fazem os países da UE que neles não são excedentários. Estando Portugal integrado no mercado único da UE nunca terá dificuldade de acesso a estas matérias primas no mercado global, pois fá-lo através da UE, um dos principais blocos incontornáveis do comércio mundial, caso contrário, já há muito tempo que teríamos rutura de abastecimento de comida e outros bens essenciais.
Sei que a opinião pública é sensível ao tema da soberania alimentar, haver produção nacional para alimentar a população residente no nosso território, mas também sei que, este objetivo é inatingível sem por em causa o nível de vida e o bem estar social, o défice da balança agroalimentar nacional é superior a – 4 500M€, mais grave ainda, tem aumentado de forma acentuado nos últimos anos, mais perigoso, após a ENPPC, esta nem o défice dos cereais estancou, pelo que, todos devemos defender que a soberania alimentar é a eliminação do défice da balança agroalimentar de Portugal e a obtenção de um superavit, isto sim, deveria ser o principal objetivo das políticas públicas agrícolas de Portugal para os próximos 10 anos.
Por favor, “+cereais”, não obrigado! Não acautela o interesse público de Portugal e dos portugueses! Estes não tendo fundos financeiros públicos que cheguem para todas as suas necessidades e sobrem, têm de arrepiar caminho, deixar de atirar dinheiro público, de todos nós, para cima dos problemas irresolúveis e colocá-lo onde se gera riqueza e valor acrescentado!
Especialista em Desenvolvimento Territorial