“O Programa Apícola Nacional continua a ser uma excelente ferramenta de apoio, mas não chega”
Os dados do último período de Declaração de Existências da Atividade Apícola, que terminou a 30 de setembro passado, mostram a tendência de crescimento iniciada em 2015 e uma evolução clara no sentido da profissionalização do setor apícola, com uma diminuição das explorações, acompanhado de um crescimento do efetivo.
Nesta evolução enquadra-se um “novo” apicultor português, que quer produzir de forma sustentada, obter produtos de elevada qualidade e está muito desperto para as questões relacionadas com a comercialização.
Esta é uma pequena parte do retrato do panorama da apicultura nacional que o presidente da Federação Nacional dos Apicultores de Portugal nos traça. Por altura da realização de mais um Fórum Nacional de Apicultura e Feira Nacional do Mel, Manuel Gonçalves também pede ao novo Ministério da Agricultura que encare a apicultura como uma atividade económica de futuro e com futuro, e que vejam nos apicultores, e nos seus representantes, os parceiros ideais para preparar o setor para os desafios que atualmente se adivinham.
Qual tem sido a evolução da atividade apícola nos últimos anos no nosso país (números de apicultores, apiários, colmeias …)?
Os dados do último período de Declaração de Existências da Atividade Apícola, que terminou a 30 de setembro passado, mostram-nos duas coisas: mantém-se a tendência de crescimento iniciada em 2015 e verifica-se uma evolução clara no sentido da profissionalização do setor apícola, com uma diminuição das explorações, acompanhado de um crescimento do efetivo.
Qual é o perfil dos apicultores portugueses?
A apicultura portuguesa, à semelhança de outras atividades do setor agropecuário, está em mudança. Apesar do setor apícola se caracterizar por um grande número de pequenos produtores, os quais exercem a atividade a título complementar de uma outra atividade
principal, e cujos efetivos médios são inferiores a 60 colónias, temos assistido ao surgimento de um grande número de apicultores, cujas explorações estão a ser dimensionadas e orientadas para a obtenção de lucros.
Este “novo” apicultor português, quer produzir de forma sustentada, obter produtos de elevada qualidade e está muito desperto para as questões relacionadas com a comercialização. O surgimento deste “novo” ou deste “jovem apicultor” tem vindo a acelerar a transformação do panorama da apicultura nacional, ao mesmo tempo que coloca grandes desafios ao setor, nomeadamente às suas organizações.
Quais têm sido as principais evoluções do setor e do produto final em específico (em termos tecnológicos, investigação …)?
A apicultura portuguesa tem, desde o ano 2000, sentido uma grande evolução no que respeita à investigação, à experimentação e à demonstração. Desde sempre que a FNAP esteve na vanguarda desta “mudança de mentalidades” não se contentando com nada menos do que equiparar a apicultura a qualquer outra atividade agrícola. Quando conseguimos que as ajudas específicas para o setor, que sempre tiveram uma ação dedicada à investigação pudessem refletir as necessidades sentidas pelo setor, conseguimos mudar esse paradigma.
Se hoje muitos apicultores adquirem rainhas da subespécie Apis mellifera é porque a FNAP promoveu a existência de investigação que, por um lado caracterizou a subespécie, e por outro, lançou as bases daquilo que são hoje os centros de criação de rainhas autóctones existentes um pouco por todo o país.
Atualmente, e considerando a enorme preponderância que a alimentação de colmeias tem vindo a adquirir junto dos apicultores, os quais são confrontados com dificuldades resultantes das alterações climáticas, a FNAP promoveu a execução de um projeto de investigação que testou e comparou (em situação produtiva) os diferentes alimentos para abelhas que existem no mercado. Outras áreas de investigação e desenvolvimento em que estamos envolvidos são a diversificação da produção, a polinização de culturas, a luta contra a vespa velutina e digitalização da atividade apícola. Alguns resultados destes projetos serão apresentados no Fórum em Viseu.

Em Portugal existem condições para se produzir mel de grande qualidade
A apicultura beneficiou de alguma forma da “moda” que a agricultura se tornou nos últimos anos?
Não sei se se trata de uma moda, ou de um reflexo e de uma necessidade. Portugal precisa de produzir, e é competitivo em muitas atividades agrícolas, as quais têm vindo a afirmar-se e a chamar a atenção sobre si, daí poder considerar-se uma moda.
A FNAP quer, e para isso trabalha todos os dias, que o crescimento que se verifica no setor apícola seja sustentável e que se consolide. Em Portugal existem condições para se produzir mel de grande qualidade no contexto da União Europeia, ela própria já é a região do mundo onde a qualidade é a principal preocupação dos produtores. Mas não tenhamos ilusões, e pensemos que tudo já foi alcançado. Atualmente os apicultores são confrontados com desafios sérios no que concerne ao clima, como por exemplo, ondas de calor na Primavera que secam as pastagens ou alterações no padrão de distribuição temporal da pluviosidade, que ameaçam a normal floração da flora silvestre (a base da apicultura portuguesa). A isto soma-se a invasão da Vespa velutina ou os incêndios florestais, também responsáveis por perdas significativas de rendimento.
O que a FNAP gostaria é que a apicultura passasse a ser uma moda nos gabinetes da Comissão Europeia e do Ministério da Agricultura
Ainda sobre a palavra moda, o que a FNAP gostaria é que a apicultura passasse a ser uma moda nos gabinetes da Comissão Europeia e do Ministério da Agricultura. Com o atual regime de ajudas este setor não poderá afirmar-se num mercado aberto como o da União Europeia, constantemente invadido por méis de baixíssima qualidade ou mesmo falso mel. Desde há muito que a FNAP vem reclamando da necessidade junto dos responsáveis políticos de Portugal e da União Europeia, para que façam mais e melhor pelo setor e pelos apicultores. O Programa Apícola Nacional foi, e é, uma excelente ferramenta de apoio, mas não chega. A falta de apoios comunitários sérios para a apicultura, como por exemplo no âmbito das medidas agroambientais, é inexplicável e uma profunda injustiça.
Para ler na íntegra na Voz do Campo n.º 231 (novembro 2019)