Nota: este artigo é parcialmente baseado no artigo do blog Thoughtscapism: “No, Glyphosate Is Not a Threat to Bees”
Recentemente falei com um amigo que já não via há algum tempo e que, por coincidência, está a estudar o impacto do glifosato na fauna aquática. Quando lhe perguntei como estava a correr o estudo disse-me (algo desiludido) que não tinha encontrado nada de relevante.
Esta conversa pode parecer insignificante, mas no mundo da ciência tem impactos extremamente importantes. Estudos que apresentam resultados negativos são mais difíceis de publicar em revistas científicas de referência. Têm habitualmente menor projeção mediática. No fundo, são estudos aborrecidos…talvez seja por isso que ele estava desiludido, mesmo sendo um trabalho meritório.
Dez estudos que demonstram que o glifosato é seguro não traz nada de novo. É mais do mesmo. Não causa polémica e não vende…mas um estudo que encontre alterações terá maior relevância. Causa controvérsia. Alimenta o medo. E foi isso que aconteceu recentemente com o novo estudo sobre o impacto do glifosato nas abelhas.
Segundo este estudo, o glifosato tem impacto no microbioma intestinal das abelhas o que aumenta a susceptibilidade a infeções. Este aumento da susceptibilidade a infeções poderá levar a que as abelhas morram e poderá justificar um declínio das colónias de abelhas.
A primeira questão…que declínio das colónias de abelhas?
Antes de sair este estudo sobre o glifosato e as abelhas estava a preparar um artigo sobre o declínio da colónia de abelhas. É um assunto interessante e, mais uma vez, a demonstração de que a realidade fica muito aquém daquilo que os promotores do medo e artigos de clickbait nos vendem. Na realidade, não há qualquer declínio de colónias de abelhas. Em 2016 atingiu-se um máximo de 22 anos no que diz respeito ao número de colónias de abelhas. Nunca houve tantas colónias de abelhas no mundo.
Se acreditou nisso, foi vítima de fake news. Isso não quer dizer que não haja problemas com algumas espécies de abelhas e que a utilização de pesticidas não seja algo relevante, mas deixemos isso para outro artigo.
O que diz a evidência existente sobre o impacto do glifosato nas abelhas?
Quando falamos de pesticidas temos que perceber que esta designação é uma conceito muito alargado que inclui vários tipos de agentes: herbicidas, fungicidas, inseticidas, acaricidas etc. Existem, de facto, muitos pesticidas altamente tóxicos para as abelhas, mas estes são os inseticidas como os piretróides e os neonicotinóides. Se forem borrifados diretamente nas abelhas a sua morte está praticamente garantida. Mas mesmo dentro do grupo dos neonicotinóides, muita investigação foi realizada sobre doses sub-letais deste inseticida na saúde das abelhas, e embora pequenos efeitos adversos tenham sido encontrados, na maior parte das vezes os efeitos no terreno são pequenos ou inexistentes (como em toda a Austrália, onde o colapso de colónias de abelhas não foi observado). Na realidade, o papel dos neonicotinóides na saúde das abelhas é muito mais complexo do que parece e será feito um artigo apenas sobre isso.
Enquanto muitos inseticidas podem de facto prejudicar várias espécies de insetos (embora as abelhas não sejam o seu alvo) a grande diferença, como disse anteriormente, é que o glifosato não é um inseticida, mas um herbicida. Como já referi noutro artigo sobre o glifosato, é um herbicida que funciona nas plantas inibindo a ação de uma enzima necessária a planta realizar fotossíntese: a EPSP sintase. Sem esta enzima, as plantas não podem crescer e morrem. No entanto, esta enzima não existe nos animais. Logo, não interferem com a nossa síntese de aminoácidos e dificilmente terá algum impacto importante na nossa saúde ou na saúde das abelhas.
Sabendo isto, vamos então analisar a evidência existente sobre o impacto do glifosato nas abelhas. Um estudo de 2014 realizou uma série de experiências em que pulverizou a comida das abelhas com glifosato e também as alimentou com sacarose misturada com glifosato. O estudo concluiu o seguinte:
“Nas doses que refletem os cenários de pior exposição, não se verificou efeitos significativos do glifosato na sobrevivência, desenvolvimento e peso médio das crias. Além disso, não houve níveis biologicamente significativos de mortalidade das abelhas adultas em qualquer grupo tratado com glifosato.”
Portanto, não se verificou qualquer impacto na sobrevivência das abelhas adultas, na sua reprodução ou sobrevivência das crias de abelhas.
Um dos estudos mais relevantes da área foi publicado em 2015. Estudou o impacto de 42 pesticidas na saúde das abelhas, incluindo o glifosato, em concentrações habitualmente utilizadas no terreno. Os seu resultados confirmaram que as abelhas expostas ao glifosato não apresentam sinais de toxicidade aguda após 48 horas nem após uma semana de observação extra:
“A partir deste estudo, está claro que o tetraconazol (um fungicida), o etoxazole (acaricida) e o glifosato (um herbicida popular) têm pouca ou nenhuma toxicidade aguda para as abelhas com base em dados de mortalidade de 48 horas, com os resultados sendo apoiados por uma observação adicional de uma semana.”
Em 2017, voltamos ao mesmo. Novo estudo publicado, tentou perceber se existiam efeitos sinérgicos entre a Imidacloprida, o inseticida mais utilizado na agricultura e outros seis pesticidas, incluindo o glifosato. O que se concluiu é que a adição de qualquer um destes seis pesticidas à Imidacloprida não levava ao aumento da morte das abelhas ou das suas crias.
Portanto, parece-me que seria seguro dizer que o glifosato não tem grande impacto nas abelhas. Mas estes estudos são aborrecidos e polémica precisa-se. É necessário alimentar uma agenda anti-glifosato e anti-transgénicos. Pelo que continuam a surgir estudos de fraca qualidade, com resultados dúbios, que alimentam o histerismo da sociedade, que vive da controvérsia e da promoção do medo.
A má ciência sobre o impacto do glifosato nas abelhas
Os primeiros estudos sobre o impacto do glifosato no comportamento das abelhas vêm de um laboratório em Buenos Aires, liderado pelo Dr. Walter Farina, onde publicaram três artigos que afirmam que o glifosato prejudica a aprendizagem das abelhas de diversas maneiras. O estudo mais conhecido foi publicado em 2015, que supostamente descobriu que as abelhas alimentadas com uma solução de sacarose com 10 mg/l de glifosato demoravam mais tempo para voar para casa. Vamos então avaliar esse estudo.
Os investigadores treinaram as abelhas a beber uma solução de sacarose por um alimentador. Depois de treinarem as abelhas, etiquetaram-nas e colaram uns “mini-gps” (digamos assim). Separaram as abelhas em 4 grupos. Um grupo controlo alimentado apenas com sacarose e 3 grupos de abelhas alimentados com doses crescentes de glifosato (2,5 mg/l, 5 mg/l e 10 mg/l). Depois de alimentarem as abelhas com estas soluções, pegaram nelas e libertaram-nas num local afastado da colónia, tendo depois registado o tempo que demoraram a voltar à colmeia (ou alimentador).
Depois das abelhas regressarem, pegaram novamente nas mesmas abelhas e voltaram a soltá-las no mesmo local de lançamento para perceberem se haviam aprendido o caminho para casa.
A primeira coisa que nos salta à vista é a quantidade minúscula de abelhas existentes em cada grupo: apenas 8 a 22 abelhas. Só para perceberem os números ridículos, o estudo de toxicidade de 2014 que referi anteriormente analisou o impacto do glifosato em vinte colméias com mais de 10.000 abelhas. De qualquer forma, vamos ver o que os investigadores descobriram…
Durante a primeira libertação, verificou-se grupo alimentado com maior concentração de glifosato (8 abelhas alimentadas com 10 mg/L de glifosato) levou em média cerca de 9 minutos a voar à colmeia (ver figura A, abaixo), enquanto todas as outras 42 abelhas dos outros 3 grupos (controlo, 2,5 e 5 mg/l) demoravam a regressar em cerca de 4-5 minutos, em média:
Portanto, analisando apenas este achado, parece que o glifosato aumenta a dificuldade das abelhas em encontrar o caminho para a colmeia, o que poderia justificar as conclusões dos investigadores. Até aqui, tudo bem, apesar dos intervalos de chegada serem sobreponíveis.
Como referido, os investigadores tentaram recapturar as abelhas e lançá-las novamente, do mesmo local. E o que se verificou neste segundo lançamento é que os grupos regressaram à colmeia em tempos muito semelhantes: entre 3-11 minutos. Não foi detetada qualquer diferença entre grupos nesta segunda largada (imagem abaixo).
Para além disso, é necessário salientar que os grupos de abelhas nesta segunda largada são ainda mais pequenos que na primeira (entre 1-4 ou 1-12 abelhas) devido à perda de abelhas, pelo que qualquer diferença encontrada dificilmente seria estatisticamente significativa.
Portanto, apesar do estudo afirmar que podem existir “consequências a longo prazo na aprendizagem das abelhas“, estas conclusões são feitas com base em amostras minúsculas e apenas dois voos. E, na realidade, nada de relevante foi encontrado no comportamento das abelhas, mesmo no grupo com maior concentração de glifosato. Aliás, as abelhas do grupo alimentado com maior concentração de glifosato conseguia ser mais rápido a chegar ao alimentador (figura B, acima). Podíamos igualmente concluir que o glifosato aumenta a capacidade das abelhas em encontrarem a colmeia.
Volto a salientar que estudos nesta área habitualmente utilizam centenas a milhares de abelhas, com várias repetições do processo de lançamento para tentar eliminar o ruído associado ao acaso (artigo e artigo). Não foi o que aconteceu.
Mas a comédia não fica por aqui. O documento também refere o número de abelhas que não retornaram à colmeia. No total, 26% das abelhas nunca chegaram à colmeia. Isso parece uma percentagem bastante alarmante. Se em qualquer momento, quando quatro abelhas partem de uma colmeia, apenas três retornam, parece uma situação insustentável a longo prazo. Mas em nenhum lugar do artigo essa ocorrência foi discutida. Mais engraçado, o maior número de abelhas perdidas nas duas largadas foi maior no grupo com dose menor de glifosato (22%) e a seguir no grupo controlo (16%). E na segunda largada o grupo alimentado com glifosato em dose intermédia e alta tiveram zero perdas de abelhas. Devemos concluir que uma alta dose de glifosato tem um efeito protetor, garantindo que as abelhas retornem à colmeia?
Pelos vistos, não. Segundo o artigo:
“…a exposição a níveis de Glifosato comummente encontrados em ambientes agrícolas prejudica as capacidades cognitivas necessárias para recuperar e integrar informações espaciais para um retorno bem-sucedido à colmeia, […] com potenciais consequências negativas a longo prazo para o sucesso da colónia.”
Incrível, não é? Até parece que os investigadores têm uma ideia pré-concebida do efeito do glifosato nas abelhas…
E quanto ao realismo da dosagem das abelhas pelo grupo de Farina? Vários estudos referem que os resíduos de glifosato no solo diminuem muito rapidamente para os níveis de micro a nanogramas (versus as dosagens de miligramas no estudo anterior), e uma diminuição muito rápida é observada no pólen e no néctar . O limite máximo de resíduos nos EUA na maioria das culturas de floração também é muito baixo, geralmente entre alguns miligramas a microgramas por kg – e esses são os limites máximos, com 99,8% de todos os produtos testados abaixo desse valor.
Voltando a referir o estudo de toxicidade publicado em 2014, este envolveu a pulverização dos alimentos das abelhas e a alimentação das crias com doses cem vezes superiores à exposição habitual ao glifosato (sendo os tratamentos de alta dose com concentrações entre 150 e 300 mg/l). E esse estudo, com uma amostragem de 10.000 abelhas, não relatou efeitos negativos sobre o desenvolvimento das abelhas. A exposição a concentrações 15-30 vezes mais elevadas de glifosato do que neste estudo de Farina não teve qualquer efeito sobre a saúde ou sobrevivência das abelhas.
Novo estudo publicado sobre a toxicidade do glifosato no microbioma das abelhas
E agora chegamos ao novo estudo. O estudo não fez apenas uma experiência, mas várias experiências envolvendo o glifosato e o microbioma intestinal. Os autores concluíram que o glifosato poderá ser tóxico para as abelhas alterando o seu microbioma intestinal.
As concentrações de glifosato utilizadas no estudo são altas (5 mg/l e 10 mg/l) e, conforme falamos anteriormente, não são essas concentrações que observamos no terreno.
Neste estudo e como habitualmente, as abelhas foram alimentadas com uma solução de sacarose misturada com glifosato. E aqui começam os problemas. Quando avaliamos as alterações do microbioma intestinal é preciso referir algo importante. A alimentação das abelhas com sacarose não fornece os aminoácidos aromáticos que habitualmente estão disponíveis na dieta das abelhas. Sem aminoácidos aromáticos disponíveis provenientes da dieta, as bactérias do microbioma intestinal podem, de facto, serem afetadas por níveis suficientemente altos de glifosato, já que algumas dessas bactérias deixam de ser capazes de produzir as proteínas de que necessitam. Portanto, assume-se que existe aqui plausibilidade biológica para o impacto do glifosato na saúde das abelhas em condições laboratorais, mas que dificilmente se verifica no terreno.
Mesmo em condições laboratoriais, estudos (aqui e aqui) que analisaram os efeitos inibitórios do glifosato sobre o crescimento de culturas bacterianas demonstraram que é necessário concentrações mesmo muito altas de glifosato para que isso aconteça. E suplementar a cultura com aminoácidos aromáticos elimina esse efeito de inibição do crescimento das bactérias. Algo confirmado por outro estudo recente. Ratos expostos durante duas semanas a níveis até 50 vezes maiores do que a Ingestão Diária Aceitável estabelecida pelas agências europeias de segurança alimentar (usaram doses 25 mg/kg) “tiveram efeitos muito limitados” sobre as bactérias intestinais na presença de aminoácidos aromáticos.
Voltando a este novo estudo, o que se verifica é que no dia zero do estudo já existia uma grande variabilidade do microbioma intestinal nas diferentes abelhas estudadas, mesmo antes da introdução do glifosato. Isso pode refletir apenas o facto de que há uma variação natural muito grande nos microbiomas intestinais em geral, algo demonstrado nos estudos com diferentes espécies. E isso também poderia explicar porque é que os dados pós-tratamento são ruidosos e inconsistentes. Se o caro leitor observar as imagens abaixo (à esquerda, a abundância relativa e à direita a abundância absoluta), dificilmente consegue tirar alguma conclusão.
Por exemplo, no controlo, do dia zero para o dia 3 paracem existir mudanças drásticas no microbioma intestinal das abelhas, tanto em termos relativos como absolutos. Tais alterações são visíveis em todos os grupos de abelhas, mesmo no grupo controlo, não exposto ao glifosato. No meio deste ruído, como é que se consegue justificar o efeito do glifosato?
Mais engraçado é que, estranhamente, o estudo encontra mudanças significativas expostas à dose mais baixa de glifosato e não encontra diferenças significativas nas abelhas expostas às doses mais altas de glifosato. Isso não é suposto acontecer. Quando à um efeito dose-resposta, quanto maior a dose, mais visíveis são os efeitos do suposto tóxico.
E como é que os investigadores justificam esta diferença? Aqui entra a “punchline” desta comédia. Os investigadores dizem o seguinte:
“A relativa falta de efeitos do tratamento com glifosato 10 mg/L na composição da microbiota no 3º dia pós-tratamento é inexplicável, mas pode refletir outros efeitos do glifosato nas abelhas. O nosso método de recaptura falha em amostrar abelhas que morreram ou abandonaram a colmeia. Como as abelhas expostas ao glifosato podem apresentar comprometimento do processamento espacial, comprometendo o seu retorno às colmeias, as abelhas do grupo glifosato 10 mg/dL que consumiram mais xarope de açúcar antes da reintrodução na colmeia podem ter menos probabilidade de retornar à colmeia. Como menos de 20% das abelhas reintroduzidas na colmeia foram recuperadas, as abelhas recuperadas podem não representar o efeito total do glifosato nos grupos de tratamento.”
Sabem qual o estudo que eles citam para dizer isto? O estudo de Farina et al.! O estudo ridículo que foi desfeito anteriormente.
E não é só isso. O estudo refere que perdeu 80% da amostra. Como podemos saber se os efeitos observados são reais ou apenas ruído? É que uma perda de seguimento superior a 20% causa sérios problemas de interpretação dos dados. Há quem defenda que deixam de ter qualquer valor.
Mas o estudo tem um dado bastante interessante…
Os investigadores fazem algo interessante. Expõem as abelhas a uma infeção oportunística causada pela bactéria Serratia marcescens. Afirmam que nas abelhas sem microbiota intestinal desenvolvida, a introdução da Serratia resultou num aumento da mortalidade em relação ao observado para abelhas com microbiota intestinal convencional, independentemente da exposição ao glifosato. Isto é expectável. No entanto, os investigadores repararam que a exposição ao glifosato e à Serratia nas abelhas com microbioma normal aumentava a sua mortalidade. Ou seja, parece existir um efeito significativo na mortalidade das abelhas quando se conjuga os dois fatores (glifosato + Serratia):
“Para abelhas com uma microbiota intestinal convencional, o tratamento com glifosato resultou num aumento da mortalidade após o desafio de Serratia. Para determinar se esta mortalidade aumentada era atribuível aos efeitos do glifosato na microbiota intestinal ou aos efeitos diretos do glifosato nas abelhas, incluímos os grupos controlo não desafiados com Serratia. Nas abelhas expostas ao glifosato, mas não desafiadas com Serratia, as taxas de sobrevivência não foram significativamente afetadas pelo glifosato e foram muito maiores nos grupos desafiados por Serratia (Fig. 2G), demonstrando que o efeito direto do glifosato nas abelhas não é a base da alta mortalidade de abelhas expostas a patógenos e expostas ao glifosato.”
GH – abelhas com microbioma normal; Gly – tratamento com glifosato; MF – abelhas sem microbioma; Ser – abelhas expostas à Serratia.
Portanto, há diferenças estatisticamente significativas entre as abelhas expostas à Serratia (GH + Ser) e expostas à Serratia e ao Glifosato (GH + Gly + Ser), ambas com microbioma normal. Se é um efeito real ou o acaso é algo que precisa de ser confirmado por estudos posteriores, mas dou o benefício da dúvida.
Mas objetivamente, qual é a aplicabilidade desta “descoberta” no mundo real? Provavelmente, nenhuma. E porquê? Primeiro, porque as doses utilizadas são muito superiores às doses encontradas no mundo real. E em segundo lugar, porque no mundo real as abelhas não são alimentadas com soluções de sacarose sem aminoácidos aromáticos. Conforme referido anteriormente, uma dieta com aminoácidos aromáticos elimina o efeito do glifosato no microbioma intestinal. Se realmente houvesse um efeito que tornasse as abelhas mais suscetíveis a doenças, poderíamos confirmar isso nas taxas de mortalidade/crescimento em grandes estudos de campo. As evidências até agora, mesmo com níveis de glifosato dez vezes mais altos, não demonstram tal efeito.
Fazendo uma analogia: temos estudos laboratoriais que nos indicam que alcalinizar a solução de uma placa de Petri leva a um aumento da mortalidade de células cancerígenas. Ohk Isso até pode ser verdade, no entanto o que me interessa é se o doente oncológico a quem alcalinizamos o sangue ou local onde o tumor se encontra vai ter uma redução do tamanho do tumor e um aumento de sobrevivência. E o que se verifica a grande maioria das vezes é que estes estudos laboratoriais apresentam resultados que não são verificáveis nos estudos clínicos.São resultados preliminares que necessitam de confirmação. Apenas isso.
Se realmente está preocupado com as abelhas, pense para lá dos pesticidas
Existem vários fatores que podem afetar as abelhas: perda de habitat, doenças, espécies invasoras, clima, e muitos outros fatores têm efeitos prejudiciais não apenas nas abelhas, mas a maioria dos animais selvagens. No entanto, o que sai cá para fora, para a comunicação social, é o glifosato, glifosato e glifosato. Se o caro leitor reparou acima, de entre 42 pesticidas estudados, o glifosato era dos menos tóxicos para as abelhas. Então porque é que não ouvimos falar dos outros pesticidas? Porque o objetivo de banir o glifosato não é o glifosato em si. Atacar o glifosato é a melhor forma de atacar as culturas transgénicas resistentes a este herbicida. Não faz sentido, avaliando objetivamente os factos, esta fixação pelos ambientalistas relativamente ao glifosato quando existem pesticidas centenas de vezes mais tóxicos. Os ambientalistas não estão preocupados com as abelhas. O seu objetivo é aproveitar todas as armas à sua disposição nesta luta anti-transgénicos e anti-glifosato. Eles não têm qualquer interesse em partilhar informação credível. Qualquer estudo metodologicamente fraco ou não replicado que validem as suas crenças é imediatamente publicitado. Enquanto que os estudos que negam estes efeitos ficam apenas para ser lidos por quem realmente tem um interesse pela verdade.
E a realidade é bastante simples. Banir o glifosato teria consequências ambientais importantes assim como para a nossa saúde. Aumento da erosão do solo, aumento da utilização de combustíveis fósseis e aumento de pesticidas mais tóxicos para a nossa saúde e a saúde dos animais em comparação com o glifosato.
Conclusão
O que está a acontecer nesta área é interessante. Uma série de estudos mal desenhados, metodologicamente fracos têm sido publicados sobre o efeito do glifosato. Então os estudos seguintes validam as suas posições anti-glifosato apoiando-se nestes estudos mal desenhados publicados no passado. E assim se cria uma corrente paralela de má ciência sobre o glifosato. É como se eu fizesse um artigo (e é perfeitamente possível), em que valido a eficácia da homeopatia apoiando-me nos estudos positivos que existem sobre a sua eficácia. Não tendo o mínimo de sentido crítico sobre aquilo que estou a referenciar e a utilizar para validar a minha linha de raciocínio.
É isto que está a acontecer. Mas quando analisamos toda a evidência, contabilizando os estudos fracos e estudos metodologicamente robustos; estudos que validam as nossas crenças e aqueles que a contrariam. Se formos honestos nesta avaliação, rapidamente concluímos que a homeopatia não funciona e o glifosato é dos pesticidas mais seguros que temos à nossa disposição.

Dr. João Júlio Cerqueira
Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar