Pedro Valadas Monteiro, 49 anos, responsável pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAPAlg) comenta a situação de seca. O diretor lamenta ainda a construção de uma nova estrada no terreno do Centro de Experimentação Agrária de Tavira, principal banco de germoplasma vegetal e de salvaguarda de material genético da região .
barlavento: Enquanto diretor da DRAPAlg, que perspetiva tem da seca que o Algarve atravessa?
Pedro Valadas Monteiro: Estamos numa região altamente vulnerável à questão das alterações climáticas. Já não são uma mera teoria, são palpáveis. Posso dizer que em novembro, antes destas últimas precipitações, a situação era dramática mesmo ao nível da vegetação natural porque os índices de humidade do solo eram de tal maneira baixos que as plantas, como o pomar de sequeiro, altamente resilientes aos défices hídricos, não conseguiam captar o teor de humidade pelas raízes. Chegámos a ter, numa percentagem bastante significativa do território, teores inferiores ao que tecnicamente se designa por ponto de emurchecimento permanente. Esta situação é algo que nos preocupa sobremaneira. Temos feito o acompanhamento junto dos produtores e fazemos um report quinzenal ao Ministério com a evolução da situação de seca, tanto a nível de charcas, como pontos de abeberamento dos animais, das pastagens permanentes, dos prados e das fruteiras hortofrutículas de regadio. Isso está tudo a ser acompanhado.
Mas há algumas medidas que estão a ser postas em prática?
O que temos de imediato é a suspensão de autorização para novas captações a partir de aquíferos, que é uma situação bastante complexa. Temos tentado sensibilizar os produtores agrícolas para a necessidade de apostar em tecnologia cada mais eficiente em termos de distribuição de água, no combate às perdas e ao nível dos perímetros de rega. Mas também há outras medidas que têm de ser equacionadas como as questões ligadas ao aproveitamento das águas residuais tratadas. Há cerca de 40 hectómetros cúbicos no Algarve de ETARs que têm já alguma dimensão e que têm um tipo de tratamento já de nível superior. Essa é uma das áreas onde se pode aplicar melhor a economia circular. O consumo anual de água no Algarve anda à volta dos 220 hectómetros cúbicos. Desse valor, 50 por cento vem de águas superficiais e os restantes de aquíferos, explorados através de furos, sendo que no Algarve devemos ter cerca de 20 mil furos legalizados. A agricultura consome 60 por cento, mas só 25 por cento é que provém de barragens. Outra medida que considero muito importante, e que já tenho discutido com o presidente da AMAL, era pensarmos numa entidade reguladora dos recursos hídricos, que fizesse o planeamento de medidas adequadas às necessidades futuras, e que fizesse uma gestão das duas grandes fontes de origem: as superficiais e as subterrâneas. O Algarve até podia ser uma região-piloto até porque é a que mais sofre com a seca meteorológica.
Acaba de ser publicado o despacho que determina a elaboração das bases do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve. A DRAPAlg integra o grupo de trabalho coordenado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e pela Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), encarregue da elaboração do plano. Como vai dirigir este trabalho?
Pretende-se um prazo de três meses, entre fevereiro e março. O que propomos e o que vamos fazer é apontar medidas numa perspetiva integrada. Explorar as várias hipóteses, as várias fontes de aprovisionamento e apostar na sensibilização, educação, prevenção e fiscalização. Hoje o Algarve já está com constrangimentos à atividade agrícola e no golfe. Além da agricultura se ir abastecer em 75 por cento aos furos, a grande maioria dos campos de golfe também são regados a partir de furos. Ao estarem suspensas as emissões de novos títulos de utilização para exploração a partir de aquíferos, já estamos a fazer uma restrição às novas áreas de hortofrutículas e ao aumento das áreas das explorações existentes.

A AMAL fala agora em estudar a barragem da Foupana. Qual a sua opinião?
A barragem da Foupana já há dezenas de anos que está pensada. Quando foi concebido o plano das grandes barragens do Algarve, era uma das que já estava projetada. Depois, por várias vicissitudes, achou-se que as construídas poderiam suprir as necessidades da população. Essa barragem tem impactes ambientais como a retenção dos sedimentos importantes para o enchimento do cordão dunar das praias e de nutrientes da fauna marinha. Por outro lado, os cursos de água têm de ter um caudal mínimo ecológico. Temos que fazer uma análise entre o custo e o benefício para ver se as várias medidas em cima da mesa são suficientes, quais as que têm mais impactes negativos e quais as mais eficazes para resolvermos o problema. Não tenho dúvida que as barragens têm de ser uma das variáveis em cima da mesa porque as ETARs estão localizadas no litoral, junto aos centros urbanos, assim como a água do mar para a dessalinização. A agricultura no Algarve não se faz junto ao litoral. Os campos de golfe e as unidades hoteleiras podem vir a ser abastecidos por essas fontes. Quem faz agricultura que custos iria ter para fazer um quilo de laranja, se a água tivesse que ser elevada com os custos energéticos associados, desde a zona litoral? Seriam incomportáveis. Há soluções que são mais aptas para determinados sectores e há outras que têm de ser equacionadas se quisermos manter a atividade agrícola. Nessa equação também tem de entrar outra problemática no Algarve: quando os territórios ficam devolutos, cresce mato que origina incêndios. A agricultura e a transformação são essenciais para ocupar os territórios. Mas não podemos voltar ao antigamente, como o pomar tradicional de sequeiro, porque não é rentável.
A cultura intensiva do abacate, que se estima ocupar já 1500 hectares do Algarve tem vindo a ser muito contestada. Justifica-se a impopularidade?
Há uma questão que diria que é quase conjuntural. As únicas zonas da Europa com clima adaptado à produção do abacate são o Algarve, Múrcia e Sicília. O abacate faz parte dos super alimentos que estão na moda. O mercado pede e remunera bem. Portanto, os agricultores aproveitam a oportunidade. Segundo os dados científicos, em termos de consumo de água, é um fruto que necessita de um pouco mais que os citrinos. Enquanto um hectare de citrinos consome à volta de 5800 a 6000 metros cúbicos, o abacateiro andará à volta dos 6500 metros cúbicos por hectare. E há culturas que consomem muito mais como as nogueiras regadas ou o amendoal regado. Apesar do abacate estar distribuído desde Castro Marim até quase Aljezur, é altamente vulnerável à geada. Por isso está naturalmente limitado a determinadas zonas. Não tem grandes inimigos e pragas, à exceção de um ácaro, o que faz com que os tratamentos do ponto de vista fitossanitário sejam menos exigentes do que outras culturas de regadio. Os pomares de abacateiros são aqueles onde a tecnologia de rega de precisão está mais presente. Compreendo, contudo, os receios porque estamos numa zona de escassez hídrica.
Sendo esta cultura atrativa, como é que o Algarve vai gerir o território? Precisamos de um plano de gestão agrícola?
Primeiro vamos ver quais serão as conclusões do novo grupo de trabalho. A expetativa é que possa atacar o problema conjuntural que temos. Essa conjuntura pode acabar daqui para amanhã se entretanto estiverem duas semanas seguidas a chover. Mas a espada não sai de cima das nossas cabeças. Arriscamo-nos a ter daqui a um ano ou dois outra situação de seca que pode ainda ser mais grave. Deveremos equacionar planos de ordenamento cultural. Em determinadas zonas mais sensíveis do ponto de vista da recarga dos aquíferos, algumas culturas devem ser restringidas. Este planeamento tem de ser feito ao nível de todas as outras entidades que consomem água. Temos de ver se há zonas do território que por serem mais sensíveis, mais vulneráveis, não teremos de introduzir algum condicionamento a determinadas práticas ou atividades económicas. Isso aplica-se tanto à agricultura, como ao turismo, às unidades hoteleiras, aos campos de golfe e às habitações. Terá de ser visto num macro quadro em que olhamos para o território como está agora, com as ameaças, e refletir enquanto região e enquanto sociedade, qual o modelo de desenvolvimento que queremos para o futuro.
Que novos projetos agrícolas estão na calha para 2020?
Somos uma região muito diversificada. Temos um clima ótimo e conseguimos antecipar as produções face a outros mercados produtores vizinhos e temos um rejuvenescimento do sector vitivinícola. Os frutos vermelhos sofreram uma adaptação à própria procura do mercado. Nas fruteiras de regadio, os citrinos continuam a ser a maior cultura do Algarve. Também a alfarrobeira em pomares estremes e com regadios associados. Alguns amendoais e olivais começam a aparecer para a produção. Pouca gente sabe mas, o Algarve é a zona do país onde estão concentrados os maiores viveiros de ornamentais, em termos de área e em termos de volume de negócios. Alguns são líderes de mercado de exportação. Há outras culturas importantes, como os diospireiros, as romãzeiras e o figo fresco.

Em fevereiro vamos ter a mostra da laranja de Silves. Como está a correr a campanha dos citrinos este ano?
Apesar destes problemas associados à questão da água, a campanha está a correr com normalidade. Não temos conhecimento de existir alguma situação que mereça preocupação além da normal. Estamos a falar de uma produção que está num mercado altamente competitivo. Espanha é o maior produtor mundial e está aqui ao lado. Os nossos produtores de citrinos têm conseguido paulatinamente o abastecimento do mercado interno, através de uma associação cada vez maior com a grande distribuição e também graças a uma aposta de grande sucesso da Identificação Geográfica Protegida (IGP) dos citrinos do Algarve. Essa IGP está por de trás de uma cada vez maior capacidade exportadora. Já temos alguns operadores em que uma parte da sua produção já vai para mercados como o norte e centro da Europa. Há produções associadas a nichos, como as biológicas. Os preços são uma dor de cabeça porque os citrinos são uma produção que funciona pela via da forte concorrência. A expetativa é que as coisas não devam ser iguais à campanha anterior, que foi um ano record, mas que possa andar ela por ela, assim como em termos de preços.
Em relação à ideia da capricultura ser usada na prevenção de incêndios, as «cabras sapadoras», defendida por Miguel Freitas. Há algum avanço?
Há. São candidaturas que o ICNF gere. Houve vários projetos apresentados e a DRAPAlg tem colaborado com o ICNF na dinamização, na sensibilização dos produtores pecuários e na divulgação desse programa. Penso que seja uma medida muito interessante por duas vias. Por um lado porque intercalar os espaços agrícolas, numa gestão em mosaicos da paisagem, no meio de espaços florestais, é uma excelente forma de fazer o combate aos incêndios. Por outro lado, o trabalho dos próprios animais. Antigamente não haviam tantos incêndios porque existiam rebanhos a pastar e as pessoas estavam nos territórios. Assim que havia uma ignição detetavam logo. Este regressar a modelos de gestão antigos é uma excelente ideia sobretudo para as zonas mais vulneráveis. Os apoios existem e têm tido alguma adesão. Esse é um trabalho que está a ser feito entre os dois Ministérios, o do Ambiente e o da Agricultura. Vemos esse projeto com bons olhos.
Em Albufeira, na apresentação da Feira da Caça e Pesca, disse que «a região tem muito a ganhar se aliar a excelência dos equipamentos turísticos aos saberes, sabores e tradições do interior algarvio». Estamos a conseguir fazer isso?
O Algarve é uma zona muito assimétrica do ponto de vista de ocupação do território e isto não é sustentável. Temos que diversificar tanto a ocupação do território como o desenvolvimento económico. Para isso, a agricultura e as pescas são essenciais. Estamos na altura de fazer isso porque estamos já no período de preparação do próximo quadro de programação de fundos europeus. Hoje em dia olhamos a um conjunto de atores públicos e privados cada vez mais ligados ao turismo, mas também a outros sectores, preocupados com esta necessidade. Já todos compreenderam que só dando as mãos e só aliando e unindo esforços é que se conseguem ultrapassar os desafios difíceis que o Algarve tem [água, mercado global]. Gostaria, e já falei com o presidente da CCDR [Francisco Serra] de podermos vir a ter no próximo período de programação de fundos europeus, uma intervenção territorial mais versátil e que permita uma abordagem mais integrada. Uma figura que permita que criemos um programa específico para determinadas zonas, mas que seja multidimensional. Que possamos ter a possibilidade de apresentar candidaturas para vários objetivos estratégicos a várias dimensões. Por exemplo, um programa com um nome como «Paisagens Culturais do Algarve», que englobasse as serras do Algarve e Alentejo. Teríamos a vantagem de poder contar com taxas de cofinanciamento superiores. E talvez incluir a Andaluzia e o Vale do Guadiana. Um programa que possua intervenções na recuperação, por exemplo, do edificado antigo, dos caminhos antigos, socalcos, terraços, engenhos de rega antigos, dos moinhos de água, dos passadiços, dos cais. Na prática, um programa que facultasse um conjunto de apoios para as pessoas que moram no interior e para os empresários interessados.

Nova estrada vai cortar terreno do Centro de Experimentação Agrária de Tavira
Em entrevista ao barlavento, Pedro Valadas Monteiro confirma que uma nova estrada vai cortar o Centro de Experimentação Agrária de Tavira, um terreno imaculado que tem sido acarinhado pelos técnicos da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAPAlg), desde há anos.
Trata-se de um repositório único para 120 variedades de amendoeiras, 44 variedades de alfarrobeiras, 97 de figueiras, 19 de nespereiras, 26 de macieiras (incluindo o Pêro de Monchique) e 78 de romãzeiras. Além das coleções de árvores de fruto tradicionais, o Centro tem 11 variedades de oliveiras (adaptadas a consumo em fresco ou conserva ou dupla aptidão), uma vinha com 98 castas de vinho branco, 84 de vinho tinto, 56 de uva de mesa tinta e 52 de uva de mesa branca que têm sido preservadas para não desaparecem.
«Quando entrei em funções fui colocado perante uma circunstância consumada. É que já nem estavam em cima da mesa projetos alternativos para uma solução menos impactante. A construção de uma variante já estava decidida e este era o único trajeto», lamenta o diretor.
«Por isso, solicitámos um conjunto de medidas de compensação e minimização. Medidas relacionadas com o atravessamento por dentro da propriedade. Os equipamentos da DRAPAlg não podem atravessar uma via pública. Tem de haver uma via própria para passarmos de um lado para o outro. Depois, temos a questão das sebes arbóreas, a transplantação das coleções ou do material que seja afetado para outras zonas, a substituição integral do sistema de rega que já é antigo e a recuperação do edificado que está lá. Se me perguntar se pessoalmente concordo, não, não concordo. Se acho que é uma pena? Acho».

Pedro Valadas Monteiro tem razão em discordar. «Uma propriedade daquelas, no sítio onde está, sofrer uma interrupção assim é algo que me entristece bastante, mas já está decidido. Agora vamos tentar minimizar ao máximo. O que gostaria, de uma vez por todas, era criar ali um Centro de Competências para a Dieta Mediterrânica e um Museu dedicado à agricultura. Gostaria de abrir aquele espaço, depois de recuperado, à sociedade civil, aos turistas, às escolas. Gostava que ali pudessem ser feitos projetos com a Universidade do Algarve e outras entidades», ambiciona.
«Nenhum diretor regional de agricultura estaria confortável com esta situação, numa propriedade que é única, em pleno coração de Tavira. Já que foi decidido, agora é trabalhar com o que temos e tentar construir ali algo interessante para a região e para o país»…

Racionar a água, educar consumidores e minimizar as perdas
«Cada vez mais a agricultura no Algarve tem de ser uma agricultura de regadio, não para ser competitiva, mas para ser passível de ser feita. Até as espécies de pomar de sequeiro, hoje em dia, têm de ter rega, pelo menos durante os primeiros anos de vida», diz Pedro Valadas Monteiro, diretor de agricultura e pescas do Algarve.
«Enquanto a nível nacional, a capitação do consumo ronda os 120 litros, no Algarve ronda os 190, também pela via da população flutuante associada ao turismo. É necessário disciplinar e educar não só os habitantes permanentes, mas quem nos visita que estamos numa região sensível. Também temos de sensibilizar os mais novos na escola», diz.
«Isso tem de ser aplicado aos utilizadores domésticos e ao nível das Câmaras. Sabemos que o último relatório da entidade reguladora, a média que é fornecida, entregue, mas que não é registada, nem faturada, ande à volta dos 30 por cento. Há concelhos que estão abaixo, mas há outros que estão acima. Esse é também um outro trabalho importante a ser feito. Temos ainda de aprimorar a fiscalização dos consumos reais. Não podemos continuar na política de penalizar toda a gente, quer os que utilizam de forma racional a água, quer os que não utilizam. Quem utiliza em excesso tem de ser monitorizado e depois penalizado, a nível de tarifas de água ou através de quotas na água que lhes é distribuída. Outra vertente tem a ver com a parte do aprovisionamento. Já estamos a fazer esse debate ao nível da sociedade e da administração pública, com a AMAL, para se ver como se vai fazer esse reforço. Na nossa ótica consideramos que todas as hipóteses em cima da mesa têm de ser equacionadas», remata.
O artigo foi publicado originalmente em Barlavento.