Aquando da aprovação do Decreto-Lei n.º 117/2024, a lançou a Rede H – Rede Nacional de Estudos sobre Habitação, publicou uma Carta Aberta ‘Urbanização em solos rústicos: Um retrocesso de décadas, assente em falsos álibis’, a qual, em apenas três dias, foi subscrita por 600 académicos e especialistas ligados à habitação, ao desenvolvimento urbano e territorial, à floresta, à agricultura e ao ambiente.
Entre os signatários da Carta Aberta destacam-se membros de vários governos do PS e do PSD, como Amílcar Theias, João Cravinho, Ana Pinho, Artur da Rosa Pires, Carlos Miguel, Carlos Pimenta e João Ferrão. Figuram também ex-diretores gerais, presidentes de CCDR e gestores públicos das áreas do Território e da Habitação, como Cristina Cavaco, Eduardo Brito-Henriques, Filipa Serpa, Francisco Castro Rego, Francisco Cordovil, Helena Freitas, Luís Braga da Cruz, Paulo V.D. Correia e Vítor Campos; e dirigentes e ex-dirigentes associativos como Francisco Ferreira (ZERO), Manuel Sarmento (ASPA), Nuno Gomes Oliveira (FAPAS), Pedro Bingre do Amaral (LPN), Viriato Soromenho-Marques (Quercus), Manuel Miranda (APU), Maria de Jesus Fernandes (OB), Gonçalo Byrne (OA), Helena Roseta (OA); e outras figuras de destaque, como Maria do Rosário Partidário (coordenadora da CTI para estudo do Novo Aeroporto de Lisboa).
A Carta Aberta, que continua disponível para subscrição, contando entretanto com mais de 2400 subescritores, motivou que a 15 de Janeiro a Rede H – Rede Nacional de Estudos sobre Habitação, fosse ouvida na Assembleia da República, na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, no âmbito da apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 117/2024, publicado a 30 de Dezembro de 2024 – que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT).
Durante a audição, a Rede H manifestou a sua preocupação face a uma alteração que contorna os problemas em vez de os resolver, indo frontalmente contra os fins e princípios da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo e comprometendo a Lei de Bases da Habitação, sem que sequer se pespective a criação de soluções habitacionais “compatíveis com a capacidade financeira das famílias”.
O Decreto-lei aprovado parte de falsas premissas, como demonstrado na audição:
- Escassez de solos urbanos – em Portugal não há falta de solos urbanos, antes pelo contrário. De acordo com os dados do Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT) de 2022, em média apenas 50% do solo urbano foi utilizado;
- Execução do PRR – os fundos do PRR destinados à Habitação – componente C2 – estão contratualizados e as verbas elegíveis foram integralmente mobilizadas antes da aprovação desta lei;
- Valor moderado – o conceito de ‘valor moderado’ que o Governo introduz no Decreto-Lei, encontra-se acima dos valores de mercado em todos os Concelhos do país, excepto Lisboa e Cascais, sendo inócuo, se não contraproducente, no que respeita à redução do preço da habitação. Como demonstrado pela análise da taxa de esforço em todos os Concelhos [em anexo] esta métrica é incompatível com o rendimento das famílias.
Não contribuindo para resolver a crise de acesso à habitação, a reclassificação do solo rústico nos termos aprovados, gera outras consequências:
- Contribui para o aumento do valor do solo rústico, fomentando a sua fragmentação e penalizando as actividades produtivas, pelo que nos afastará da autonomia alimentar e dificultará a prevenção e o combate aos incêndios rurais.
- Compromete as funções ecológicas essenciais do solo natural (como o sequestro de carbono, a regulação do clima, a purificação da água e a prevenção de inundações) substituindo bens públicos de alta relevância por benefícios económicos privados de curto prazo.
- Inviabiliza o princípio consagrado na Lei de Solos da afectação social das mais-valias urbanísticas, já que deixará de ser o Plano a determinar, através do mecanismo da classificação do solo, a geração das mesmas.
A análise descrita, foi sistematizada e aprofundada num Parecer elaborado pela Rede H enviado à Comissão Parlamentar de Economia, Obras Públicas e Habitação [ver anexo] e onde se conclui que o DL n.º 117/224 não cumpre o objetivo a que se propõe e terá relevantes impactos negativos nos sistemas ambientais que urge preservar, na produção agro-florestal e na qualidade dos espaços urbanos. Mais do que um ‘entorse’, o diploma contraria frontalmente legislação superior e conexa, nacional e europeia, afastando-se dos compromissos internacionais assumidos.
A Rede H apela, por isso, à sua revogação.
E nota que qualquer alteração legal com vista à promoção de habitação deverá ter como foco:
- A mobilização dos fogos existentes e do solo urbano expectante por via da política fiscal, da adequação do valor do solo e do reforço do financiamento das autarquias;
- A agilização dos processos de planeamento para que os instrumentos que melhor garantem o desenho da cidade sejam mais utilizados e flexíveis;
- A criação de uma quota de habitação não-especulativa, a aplicar nas novas operações urbanísticas, que garanta que os fogos construídos permaneçam fora do mercado livre.
- A regulamentação das mais-valias, por forma a garantir que aquelas que são geradas pelo investimento público e pela reclassificação do uso dos solos no âmbito do sistema de planeamento são utilizadas no financiamento da política pública de habitação, cumprindo a alínea a) do artº 66 da LBPPSOTU.
- A regulação do mercado da habitação.
- A revisão de algumas exigências legais, porventura obsoletas, que dificultam a oferta de habitação para determinados segmentos.
O Parecer propõe que se aproveite o debate gerado em torno do DL n.º 117/2024 para dar início a um outro mais alargado, sobre a agilização dos processos de planeamento urbano, sua execução e medidas a adoptar para garantir que a generalidade das famílias tenham acesso a uma habitação digna, compatível com o seu rendimento.
Fonte: Rede H