A cada verão, os incêndios rurais voltam a marcar o território português. No Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde a paisagem de montanha combina áreas protegidas e terras comunitárias, a prevenção dos incêndios rurais continua a ser um desafio complexo. Mas até que ponto a legislação atual facilita ou dificulta essa gestão?
Foi para responder a esta questão que um grupo de especialistas, compartes e gestores florestais se reuniu recentemente numa “Policy Clinic”, no âmbito do projeto europeu FIRE-RES. O debate centrou-se na interação entre o Regime Florestal e as normas de apoio ao pastoreio, procurando perceber se estas políticas se complementam ou, pelo contrário, se criam obstáculos à redução do risco de incêndios.
Regras desarticuladas com a realidade
Os participantes foram unânimes num ponto: a legislação nem sempre reflete a realidade do terreno. O Regime Florestal, com raízes em normas criadas há mais de um século, mantém restrições que dificultam a adaptação às necessidades atuais, limitando a gestão ativa da floresta, a prevenção de incêndios e a implementação de práticas sustentáveis. Já as regras de elegibilidade das áreas para pastoreio apresentam outro problema: ao aplicarem critérios genéricos, não têm em conta o risco de incêndio nem as particularidades de cada região, criando um desajuste entre a regulamentação e a realidade no terreno. Ao mesmo tempo, as políticas de apoio ao pastoreio têm sido revistas nos últimos anos, mas nem sempre no sentido de reforçar o seu papel na prevenção de incêndios, nem olhando para as especificidades de cada região. A redução de incentivos e o aumento das restrições ao uso do território estão a levar à diminuição da atividade pastoril, privando as paisagens de um método natural e eficaz de controlo da vegetação.
Os atores locais e regionais identificaram três desafios principais:
- Legislação desatualizada e rígida – O Regime Florestal não considera a realidade dos incêndios atuais e impõe restrições que dificultam a gestão do território.
- Falta de incentivos para o pastoreio – Com cada vez menos apoios, a atividade tem vindo a ser abandonada, deixando as áreas rurais mais vulneráveis aos incêndios.
- Falta de coordenação entre entidades – As políticas ambientais, agrícolas e florestais nem sempre estão alinhadas, criando conflitos e entraves à sua aplicação.
O que pode ser feito?
O debate não se limitou à identificação dos problemas, mas abriu caminho para a discussão de soluções concretas. Um dos aspetos centrais foi a necessidade de rever o Regime Florestal, tornando-o mais ajustado à realidade atual e mais eficaz na gestão do risco de incêndios rurais. Também se destacou a importância de valorizar o pastoreio como um aliado na prevenção, garantindo apoios consistentes que incentivem a sua continuidade e reforcem o seu papel na redução da carga de combustível vegetal. Além disso, sublinhou-se a urgência de envolver mais as comunidades locais na tomada de decisões, reconhecendo o seu conhecimento do território como um recurso fundamental para uma gestão sustentável. Por fim, ficou claro que é necessário um modelo de governança mais eficaz, garantindo uma melhor articulação entre as entidades, atores e uma regulamentação mais flexível, capaz de integrar estratégias sustentáveis de conservação e gestão ativa da paisagem.
O consenso entre os participantes foi claro: sem uma reforma estrutural da legislação e uma valorização das práticas de gestão ativa da paisagem, Portugal continuará a enfrentar incêndios rurais cada vez mais destrutivos.
A ciência já demonstrou que o problema pode ser minimizado. Resta saber se a política estará à altura do desafio.
Fonte: Iryna Skulska e Conceição Colaço