Foi com algum espanto que vi as manchetes nos últimos dias: “O lobo terrível está de volta!” A empresa Colossal Biosciences anunciou ter criado uma versão geneticamente modificada desta espécie extinta há cerca de 10 mil anos. O que se apresenta como um triunfo da ciência moderna é, na verdade, uma ilusão cuidadosamente embrulhada em marketing.
Aquilo que foi criado não é um “lobo terrível” — é um animal geneticamente modificado que partilha parte do seu ADN com a espécie extinta, mas que não é nem comportamental, nem ecologicamente equivalente ao original. Estes animais nasceram para viver em cativeiro, privados de uma cultura que é essencial em espécies sociais como os lobos. Os lobos transmitem comportamentos de geração em geração, através da aprendizagem social dentro dos grupos familiares. Sem esse tecido cultural, não estamos a “trazer de volta” nada — estamos a criar novos animais para uma vida sem liberdade.
Dito isto, não podemos ignorar que este “espetáculo biotecnológico” conseguiu algo que raramente acontece: fez com que se falasse de extinção. E precisamos desesperadamente de falar sobre isso.
Vivemos uma crise de extinção global sem precedentes desde o desaparecimento dos dinossauros. Espécies de fauna, flora e funga estão a desaparecer a um ritmo centenas de vezes superior ao normal. Perder uma espécie não é apenas um fenómeno científico — é a erosão irreversível de relações ecológicas, de histórias evolutivas, de patrimónios culturais e naturais. É o desaparecimento de possibilidades futuras.
Por isso, se este “lobo terrível” criado em laboratório nos obriga a refletir sobre o desaparecimento de espécies, então que assim seja. Mas que essa reflexão não se esgote na excitação de um título chamativo. Que nos leve a questionar: o que estamos dispostos a fazer hoje para que não precisemos de laboratórios para salvar as espécies do amanhã?
A própria Colossal está envolvida em projetos com verdadeiro mérito, como os esforços para preservar o rinoceronte-branco-do-norte — uma espécie funcionalmente extinta — ou para recuperar o pombo-passageiro e o tigre-da-Tasmânia, ambos com ecologias insubstituíveis. Nestes casos, a tecnologia pode ter um papel importante, sobretudo quando aliada a estratégias de conservação in situ e a comunidades locais.
Mas há casos em que ainda vamos a tempo — e Portugal é um deles.
O lobo-ibérico, uma subespécie única e emblemática da nossa fauna, continua em declínio. A sua presença a sul do Douro está por um fio. E, ao contrário do lobo terrível, o lobo-ibérico ainda está entre nós. Ainda há tempo de agir. Mas é preciso vontade política, medidas de conservação eficazes e um compromisso sério com a coexistência entre comunidades humanas e este predador extraordinário.
Na Rewilding Portugal, trabalhamos para criar essas condições. Queremos garantir que o lobo-ibérico continue a desempenhar o seu papel ecológico, como regulador de ecossistemas e símbolo de uma natureza selvagem que ainda é possível.
Esperamos sinceramente que, daqui a algumas décadas, não tenhamos de contar com empresas como a Colossal para reconstruir, em laboratório, aquilo que poderíamos ter protegido no terreno.
Fonte: Rewilding Portugal