Face às transformações sociais, ecológicas, económicas, culturais e ambientais que vivemos, a investigação que desenvolvo salienta a sustentabilidade dos empreendimentos desenvolvidos em territórios rurais como um desafio societal e um compromisso coletivo. Os resultados obtidos até à data demonstram que as zonas rurais, em especial as de baixa densidade populacional e de interior, são ativos estratégicos do nosso país e apresentam um potencial ainda não valorizado para liderar a transição socioecológica através da experimentação cívica e práticas diferenciadas. No centro deste argumento está o estatuto português “Jovem Empresário Rural” e o modelo RuSTIC (Rural Socioecological Transformative Innovation Capabilities) em desenvolvimento, modelo que até ao presente tem sido testado através do jogo dos territórios esquecidos: vamos jogar e criar?
Como empoderar jovens empreendedoras/es e comunidades rurais para uma transformação socioecológica e justiça espacial?
Desde setembro de 2021, tenho desenvolvido uma investigação em Ecologia Humana que tem promovido novas formas de experimentação cívica para empoderar jovens empreendedoras/es e comunidades rurais em Portugal continental. O objetivo geral é destacar a relevância da inovação social, sob a lente da Ecologia Humana, para impulsionar o desenvolvimento rural e a sustentabilidade de iniciativas empreendedoras lideradas por jovens e gerir (medir) essa relevância de um modo colaborativo, sistémico e sistemático.
Embora os territórios rurais de interior e de baixa densidade populacional sejam associados frequentemente a desafios como o despovoamento, o envelhecimento e isolamento, a falta de oportunidades de emprego qualificado, entre outros desafios, esta investigação destaca que existe potencial inexplorado e oportunidades ainda por reconhecer. As identidades sociais e ecológicas desses territórios são oportunidades que, se reconhecidas e valorizadas, podem transformar-se em ativos estratégicos para as comunidades locais e partes interessadas. Assim, argumenta-se que o desperdício dessas oportunidades pode ser minimizado através de uma ecologia de práticas criativas, inclusivas e lideradas por jovens e comunidades rurais, desde que acompanhadas por políticas flexíveis e ferramentas adequadas para apoiar essas iniciativas de ativação territorial.
Nesse contexto, adaptei o modelo conceptual que desenvolvi e os resultados empíricos que obtive criando o “Jogo dos Territórios Esquecidos: Vamos Jogar e Criar?”, uma ferramenta desenvolvida em agosto de 2024 com base nos resultados de 46 entrevistas. Essas entrevistas foram realizadas com diversos atores sociais entre março e dezembro de 2023, incluindo jovens empreendedoras/es, jovens agricultoras/es, jovens co-fundadoras/es de associações, académicas/os de diversas áreas das ciências naturais e ciências sociais e humanas, associações de desenvolvimento local/profissionais e entidades da economia social e representantes de iniciativas governamentais. O jogo é projetado para ajudar jovens e comunidades rurais a identificar problemas, definir prioridades e fomentar a experimentação cívica e inovação sociopolítica de modo colaborativo e prospetivo.
Testes no local: transformando territórios em laboratórios socioecológicos
A partir do dia 22 de agosto de 2024, o jogo tem sido testado em diferentes territórios de Portugal continental. Os resultados demonstram que essa ferramenta promove práticas pré-figurativas, ou seja, que ajuda a projetar futuros desejados e sustentáveis, interligando ciência e sociedade civil, políticas públicas e ação comunitária. As políticas públicas desempenham um papel vital na criação de condições para que jovens empreendedoras/es prosperem nos territórios rurais. Para isso, é essencial que o ciclo de vida das políticas públicas seja praticado de forma participativa, incorporando as perspetivas das/os jovens e adaptando-se às identidades sociais e ecológicas locais num ciclo de melhoria contínua. Esta abordagem requer não apenas a integração de diferentes atores, mas também a valorização do património natural e cultural como ativos fundamentais. As pessoas entrevistadas destacaram o papel crucial dos recursos naturais, da biodiversidade e da paisagem no desenvolvimento rural, também a valorização do conhecimento tradicional, da cultura local e do envolvimento comunitário na gestão dos recursos e preservação do capital natural, promovendo uma visão de longo prazo para os territórios rurais. Deste modo, esta investigação destaca a necessidade de minimizar a visão antropocêntrica que ainda persiste sobre inovação social, sendo a operacionalização desse conceito pela lente da Ecologia Humana uma abertura para o futuro desse caminho.
Jovens empreendedoras/es e diálogos entre o contexto rural e urbano
Apesar da existência de vários programas e apoios de empreendedorismo em Portugal, também no âmbito de inovação social, as/os jovens entrevistadas/os identificaram desigualdades no acesso a recursos e apoios, especialmente para projetos que não seguem lógicas de mercado convencionais ou que não se enquadrem nas definições formais desses programas. Essa lacuna reforça a necessidade de praticar novos modos de reconhecimento de iniciativas diferenciadas e que se comprometam a contribuir para as transformações identificadas como desejadas.
A pandemia de COVID-19, apesar dos desafios que trouxe, também evidenciou novas oportunidades para as áreas rurais, como a importância da produção alimentar local e a aceleração da adoção de tecnologias digitais e novos modos de trabalho. A migração de jovens e habitantes urbanos para essas áreas, procurando melhor qualidade de vida tem gerado novas dinâmicas que podem ser aproveitadas pelas/os jovens empreendedoras/es para modernizar os seus processos de produção e/ou serviços, desenvolver novas formas de empreendedorismo, quer no setor agrícola, no turismo, ou noutros setores, inclusive em novos modelos híbridos de negócio e modelos diferenciados de empreendedorismo. Essa realidade estimula parcerias intersetoriais, novos modelos híbridos que conectem o rural e urbano, superando preconceitos e promovendo uma visão integrada desses territórios. Por essa razão, esta investigação explora o potencial do estatuto “Jovem Empresário Rural” para dinamizar iniciativas de inovação social no nosso país, que também carece de maior reconhecimento, operacionalização e valorização. Como é possível termos um estatuto criado por Decreto-Lei em 2019 e que não é (re)conhecido devidamente nem pelo público-alvo, as/os jovens entre os 18 e os 40 anos, nem por diversos atores sociais, academia, políticos e diversas entidades públicas e privadas incluídas?
O “Jogo dos Territórios Esquecidos: vamos jogar e criar?” tem demonstrado como práticas colaborativas, diálogos intergeracionais e ações prospetivas podem promover comunidades rurais mais conectadas, resilientes e prósperas. Se deseja levar esta experiência à sua região ou obter mais informações sobre o projeto entre em contacto através deste e-mail: mariaparreira@fcsh.unl.pt. Esta investigação é financiada por fundos nacionais da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia ao abrigo da bolsa de doutoramento 2021.06974.BD. https://doi.org/10.54499/2021.06974.BD. Está a ser desenvolvida no âmbito do curso de doutoramento em Ecologia Humana da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, e tem como entidade de acolhimento o CICS.NOVA, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais. Recentemente foi publicada uma comunicação disponível neste link: https://www.mdpi.com/2504-3900/113/1/2
Fonte: Maria João Horta Parreira