A história do melhoramento do triticale em Portugal
A seleção dos primeiros triticales em Portugal, na década de 60, resultou da participação da Estação de Melhoramento de Plantas (EMP), INIAV-Elvas, em ensaios internacionais (International Triticale Yield Nursery) promovidos pelo Centro Internacional de Milho e Trigo (CIMMYT). Nesses primeiros anos de avaliação, o comportamento dos materiais em campo causou alguma deceção aos melhoradores devido, principalmente, ao excessivo enrugamento do endosperma do grão, que se refletia em valores baixos da massa do hectolitro e a uma excessiva precocidade ao espigamento, tornando as plantas mais expostas à ação negativa das geadas (Bagulho e Barradas, 1977).
Em 1973 selecionaram-se os primeiros genótipos a serem incluídos em ensaios de adaptação um pouco por todo o país (Gusmão e Cidraes, 1979), dos quais resultou a primeira variedade de triticale português Armadillo, a qual foi distribuída à lavoura nacional em 1979, tendo ocupado nesse ano uma área de cerca de 10 ha (Maçãs e Pinheiro, 1997).
A continuação da estreita colaboração com o CIMMYT, através da participação nos ensaios internacionais de rendimento e na utilização de linhas avançadas ou populações segregantes (F2 a F6), a par dos genótipos obtidos no programa de melhoramento da EMP permitiram que se conseguissem avanços significativos na obtenção de novas variedades de entre as quais se destacaram Mapache, Bacum, Arabian e Beagle. Estas variedades foram distribuídas à lavoura nacional a partir de 1981.
Em meados da década de 80, a inscrição no Catálogo Nacional de Variedades (CNV) de Borba e Juanilho significou novo avanço no melhoramento português, pois estas variedades apresentavam menores problemas com a desgrana e maior facilidade na debulha que Bacum, Arabian e Beagle, além de terem massa do hectolitro superior (Tabela 1). No final da década de 80 o triticale ocupava em Portugal uma área de cerca de 60 000 ha. Posteriormente, Arruda e Crato foram inscritos no CNV. Estas novas variedades de elevado valor agronómico, boa adaptabilidade, regularidade de produção e maior massa do hectolitro, substituíram as variedades antigas (Tabela 1).

Tabela 1. Média do rendimento (kg/ha) e da massa do hectolitro (kg/hl) de sete variedades de triticale obtidas na EMP, em 3 anos de ensaios (1989 a 1991).
O melhoramento teve como objetivo ampliar a variabilidade genética existente, cruzando genótipos com hábito de crescimento de inverno ou alternativos, de origem polaca ou francesa, com variedades de primavera, de origem mexicana (Bagulho et al., 1990) e criar novas combinações génicas introduzindo, nas hibridações artificiais, trigos em retrocuzamentos de triticale. Sem abdicar do elevado potencial produtivo do triticale, a seleção teve em conta parâmetros como a plasticidade na data de sementeira, a duração do ciclo vegetativo, maior capacidade de afilhamento, rápido período de enchimento do grão e aumento da densidade do grão (Bagulho et al., 1990).
A partir da década de 90, o melhoramento centrou-se, por um lado, em parâmetros relacionados com o grão (tamanho e conformação) e, por outro, no alongamento do ciclo vegetativo, no sentido de proporcionar sementeiras mais precoces (meados de outubro) e com novos aproveitamentos da planta, nomeadamente a sua utilização como forragem (Maçãs e Pinheiro, 1997). Enquadrada na primeira preocupação, a pressão de seleção num grupo de germoplasma recebido do CIMMYT em 1984, levou à identificação da linha que viria a ser inscrita no CNV em 1993, com a designação de Alter. Nesta variedade é evidente a superioridade do potencial genético de produção relativamente às variedades existentes (Tabela 2). A característica que melhor evidencia o trabalho desenvolvido durante esses anos é a massa do hectolitro, chegando a atingir valores próximos dos 80 kg/hl.
Nos sistemas de agricultura do sul do país que assentam na produção de cereais e na pecuária em regime extensivo, a influência climática, marcadamente mediterrânica, com uma distribuição errática das chuvas e um perfil térmico que condicionam o desenvolvimento das plantas, provoca a ocorrência de períodos de carência alimentar, particularmente evidentes no verão e no inverno (Coutinho et al., 1999).

Tabela 2. Produção de grão (kg/ha), massa do hectolitro (kg/hl) e outras características da variedade Alter comparadas com as dos principais triticales cultivados nos anos 80. Resultados médios de 8 anos de ensaios na EMP.
O programa de triticales da EMP, utilizando diferentes pools genéticos, cria germoplasma com hábito de crescimento intermédio e com excelente comportamento quando utilizado num conceito de “dupla-aptidão”, numa lógica de suplementação das restantes espécies pratenses nos períodos de carência alimentar (no outono e inverno). Com esse objetivo selecionaram-se genótipos com crescimento inicial rápido quando semeados em meados de outubro, assegurando uma rápida cobertura do solo, importante para garantir o alimento necessário no período de inverno mas, em simultâneo, com boa capacidade de recrescimento após corte ou pastoreio, para aproveitamento quer de feno ou grão (Pinheiro et al., 2009). Neste contexto, a EMP inscreveu no CNV em 1999, a variedade Fronteira, destacando-se a sua grande regularidade de produção aliada ao seu excelente comportamento forrageiro.
No âmbito da cooperação entre a EMP e a Universidade da Extremadura, em Badajoz, realizou-se um estudo comparativo no sentido de avaliar as capacidades agronómicas, tecnológicas e de recrescimento, entre triticales (Alter, Fronteira e outros), aveias e azevém. Realizaram-se três cortes para simular diferentes pastoreios, tendo-se determinado posteriormente a produção de biomassa, a respetiva qualidade proteica e a digestibilidade dessa forragem. O triticale Fronteira apresentou um dos valores mais altos de produção de biomassa no 1º corte (biomassa invernal) e no 2º corte (biomassa primaveril), quando comparado com as restantes variedades e/ou espécies utilizadas (Tabela 3).
Nos últimos 10 anos, o programa de melhoramento de triticale tem continuado a identificar e a selecionar germoplasma que se enquadra nos objetivos previamente definidos, mas ajustados aos condicionalismos da realidade atual, onde a resposta (agronómica e de valor de utilização dos genótipos) aos constrangimentos climáticos e à sustentabilidade dos sistemas agro-silvo-pastoris são cada vez mais uma prioridade.

Tabela 3. Ensaio de cooperação entre EMP/Universidade da Extremadura, no ano de 2009/10, avaliando 4 triticales, 3 aveias e um azevém.
O presente do melhoramento do triticale em Portugal
A área ocupada por esta cultura, tal como acontece com outros cereais praganosos, tem vindo a diminuir nos últimos anos. Entre 2012 e 2014, a área ocupada era de cerca de 30500 ha, passando para cerca de 16500 ha em 2017 (Anpromis, 2017). Contudo, o trabalho de melhoramento com esta espécie continua o seu percurso e, muito recentemente, em janeiro de 2019, duas novas variedades foram inscritas no CNV: Monsaraz (produção de grão) e Gavião (dupla-aptidão). Na Tabela 4 mostram-se os resultados agronómicos e de valor de utilização das novas cultivares, obtidos em dois anos de ensaios, face às variedades testemunha (Fronteira, Alter e Amarillo) usadas na Rede Nacional de Ensaios. Estas variedades estão preparadas para iniciar o seu percurso comercial, com a obtenção dos primeiros lotes de semente certificada pré-base no final do presente ano agrícola.

Tabela 4. Resultados da avaliação agronómica e de qualidade tecnológica das novas variedades TTE 1404 = Monsaraz e TTE 1504 = Gavião (2 anos de ensaio) face às testemunhas. Fonte DGAV, 2019.
Prospectiva
Passados cerca de sessenta anos de melhoramento do triticale em Portugal, o processo evolutivo desta espécie que o homem “fabricou”, tem sido altamente aliciante e foi capaz de criar uma importante cadeia de valor na agricultura nacional. O potencial genético de produção desta espécie, de vital importância para os sistemas de agricultura mediterrânicos, onde a pecuária tem um papel preponderante, fazem desta espécie um “trunfo” que teremos que salvaguardar para a nossa sustentabilidade agrícola mostrando, também, vantagens nos solos ácidos onde a Quercus ilex e o Quercus suber dominam a paisagem e onde milhares de cabeças de gado são mantidas, anualmente, em regime extensivo.

Multiplicação de variedade Alter, Herdade da Comenda, INIAV-Elvas, 2017
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Anpromis. (2017). Estatísticas Agrícolas.
Bagulho, F.; Maçãs, B.; Coutinho, J. (1990). Metodologia e objetivos do Melhoramento de triticale na ENMP. Melhoramento, 32: 109-119.
Bagulho, F. e Barradas, M. T., (1977). “O Melhoramento de triticale na EMP”. I Reunião Portuguesa sobre Triticales. Vila Real. (não publicado).
Coutinho, J.; Maçãs, B.; Dias, A.S. e Pinheiro, N. (1999). Uso de cereais com interesse forrageiro como complemento alimentar na produção animal extensiva. Pastagens e Forragens. Vol 20: 75-80.
DGAV (2019). Catálogo Nacional de Variedades – Resultados das variedades de Aveia e Triticale que concluíram os ensaios em 2018. Lisboa, 29 de janeiro de 2019, 25 pp.
Gusmão, L. e Cidraes, A. G. (1979). Adaptação de triticales em Portugal – Análise do Comportamento quantitativo em relação às espécies parentais. II Reunião Portuguesa sobre triticales. ENMP. Elvas. Melhoramento, 27: 203-223.
Maçãs, B. e Pinheiro, N. (1997). O melhoramento de triticale na ENMP (seleção da variedade “Alter”. Vida Rural, 1625:36-37.
Pinheiro, N.; Poblaciones, M. J.; Coutinho, J.; Rodrigo, S.; Olea, L.; Maçãs, B. e Óscar, S. (2009). Produção de biomassa para produção animal em regime extensivo. Vida Rural, 1749: 30-33.
Um artigo de: Nuno Pinheiro, José Coutinho, Conceição Gomes, Rita Costa, Ana Sofia Almeida, João Coco, Armindo Costa , Ana Sofia Bagulho, José Moreira, Benvindo Maçãs
INIAV, I.P. Estrada Gil Vaz, Ap. 6, 7351-901 Elvas
Publicado na Voz do Campo n.º 225 (abril 2019)